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Receita de bolo é tão fácil quanto dizem? X-Men '97 (2024)

 

Resenha SEM SPOILERS! 

Vou te falar, quando vi o trailer desse negócio fiquei até um pouco triste dos meus queridos mutantes serem mais uma vítima da cultura da lacração (piada) revival dos anos 90, ou seja, refazer obras muitos populares naquela época só pra arrancar dinheiro dos hoje quarentões. Saiu uma penca de filme HORRÍVEL nessa pegada, Indiana Jones, Pequena Sereia, Rei Leão (e os outros milhões de "live actions" da Disney) e The Flash que trouxe o Keaton como Batman de novo, totalmente não solicitado. 

Vendo esse histórico e o debate de "crise criativa" em hollywood, quando sai uma produção dessas você fica com o pé atrás, mas... Não é que começou a ser bem falado? Me Convenci a ver e não me arrependo. 

Já digo: X-Men '97 VALE A PENA DE SER VISTO, não é só uma obra boba que se apega a nostalgia como único recurso. Vamos investigar como isso é feito...

 Ele tem o mesmo trato com as obras originais que Pabllo Vittar teve em Batidão Tropical 2 (Confira a resenha) que é trabalhar dando um passo pra frente e não olhar pra trás. Isso fica muito claro quando não recorre a um período em genérico, esse é o erro de muitas produções que tentam apelar para nostalgia, não definem um modelo para se inspirar e ficam supracitando coisas aleatórias. Ou só pega as coisas mais famosas.

Vou dar um exemplo. Se fosse uma obra que só apegasse na nostalgia sem fundamento, iria ter um monte de música de rap aleatória, isso é bem anos 90, mas não tem nada a ver com os X-Men (sem um encaixo pra isso ser feito, deixando claro). O trabalho não é feito para você lembrar como era bons os tempos de criança, pelo contrário, ele tem a mesma estética e estrutura narrativa das histórias daquele período, gasta suas energias em sintetizar o movimento estético da época, do que meramente reproduzir coisas já prontas. 

Exatamente como Pabllo Vittar faz em Batidão Tropical (tanto 1 quanto o 2), não é tratar o antigo como antigo, mas tratar o passado como uma memória viva, que ainda pode ser plenamente reproduzida e dar bons frutos, basta ENTENDER o objeto que se tem nas mãos. Um exemplo contrário do que estou explicitando é a porra do Batman do Keaton reaparecendo quase QUARENTA ANOS DEPOIS e aquele bem fraquinho do Spielberg, Jogador Nº1 (2018):

tudo isso pros nerdola ficar apontando pra tela "olha ali olha ali caraca velhooo"

Assim como outras obras, apesar de jogar na tela ostentando compra de direitos de imagem não conseguem replicar a sensação/estética dos filmes do período, ficando em um tipo de vale da estranheza narrativo onde o personagem ou objeto da história é antigo, mas todo polido para os padrões atuais, não tendo competência de reproduzir a estética anterior e nem coragem de romper para fazer algo totalmente diferente. 

 X-Men '97 é dotado de PERSONALIDADE que é advinda da competência em entender o que é X-Men e o que foi X-Men dos anos 90. e dir mais, consegue SUPERAR o desenho original (X-Men de 1992), quando dá justamente mais PERSONALIDADE as personagens femininas, só olhar o próprio visual delas, deu uma ajeitada na anatomia e agora não se parecem mais com figuras de filmes eróticos:

Vampira no desenho original.
É justamente a necessidade de dar o passo para frente, chegar onde a obra original não conseguiu por questões de limitações técnicas (o visual do desenho de 1992 é bem esquisito) ou limitações ideológicas. Atualizando, encaixando para o mais razoável nos tempos atuais, incluindo o traço, que tá bem mais limpo.

Reproduzir a estética e elementos não significa repetir os erros, ao mesmo tempo não é sobre fazer diferente, mas revitalizar, por isso, tem algumas mudanças estéticas. Diria que são mais correções que casam melhor com a proposta do desenho, o seu objetivo final é bem delimitado, adaptar as histórias do Chris Claremont (tão falado aqui) junto com os personagens do desenho Original (que foram baseados nas histórias do Chris), só que tem um porém! Não é qualquer história do Chris, é especificamente do período Uncanny X-Men #200 pra frente. Isso fica bem evidente no visual da Tempestade, que tá com aquele moicano maravilhoso. 

Dois fatores que são bem Claremont é o ritmo frenético que é quase de HQ mesmo, o que gera uma enorme exaustão mental nos personagens, marca registrada do período e um protagonismo melhor elaborado de personagens femininas. Coisa que é bem rara nas produções de herói, esse é o diferencial muita das vezes.

Há também a velha história de genocídio e debates raciais. Mesmo que as abordagens mais modernas falem de questões de gênero de sexualidade (como o filme de 2000 e Grant Morisson) pelo menos em minha percepção não está presente aqui de forma tão clarevidente. 

Diria inclusive que a obra é bem discreta no quesito inovação, se arrisca muito pouco, não ousa mexer em muita coisa. É uma receita de bolo, que por muito tempo o meio nerd usou quase como uma forma pejorativa pra dizer que é fácil de fazer, apenas te desafio a fazer aquele bolo de fubá que tua vó fazia todo domingo, cê num ia conseguir... Porque em um bolo até se você errar a porra da temperatura do leite já foi, estraga completamente, além das texturas, sabor e outros fatores. Ou seja, pra fazer algo na base da receita de bolo, precisa saber cozinhar. X-Men '97 consegue aplicar a receitinha do vovô Claremont na medida certa.

É mais uma inteligência em saber dosar os ingredientes já estabelecidos, do trazer algo novo. O confortável ainda é capaz de levar a bons caminhos, quem precisa inovar quando se tem X-Men?

Por isso serve bastante para quem já conhece as histórias dos mutantes e vai saber se situar em qual período estamos e também vai servir, pelo seu modelo narrativo, pra quem nunca viu nada dos X-Men. Porque se parece muito com os desenhos que eram mostrados na TV Globinho e Bom Dia e Cia, porradaria comendo solta, arcos bem curtos de história. A dublagem tá maestral. Não consigo elogiar mais do que isso.

Apesar de tratar de assuntos como genocídio, o desenho é leve, colorido e até brega (no bom sentido) em alguns pontos, me trouxe a infância quando eu via X-Men Evolution na SBT, mas sem necessariamente precisar copiar nada ou esfregar na sua cara dizendo "SINTA SAUDADES SINTA SAUDADES".
"Sinta nostalgia Sinta Nostalgia... Compre remake pro seu millennial" 

É mais efetivo em alguns casos entregar algo no sobretexto do que expor para o mundo o que você está pensando. É claro que eles estão se apoiando na nostalgia também? Sim, mas esse não é a força motriz do desenho. Parece só mais um remaster/remake/reboot, entretanto X-Men '97 pode te pegar desprevenido, apesar de prometer muito pouco e jogar em um terreno certo, acerta na mosca em sua proposta e entrega um trabalho muito sólido.

Solidez, personalidade e frescor ao invés de cheiro de morfo... Não é sr. Keaton? 


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