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Xote dos cabeludos não foi uma "disstrack" para o Roberto Carlos

Roberto Carlos: a canção do Rei contra a ditadura - Vermelho
"Cabeludo" isso aí?

 Se tem uma figura na história da música brasileira que foi do céu ao inferno no quesito imagem pública essa é o destituído 'rei' Roberto Carlos, que para as gerações anteriores (como sua mãe/vó) é um ídolo! Pra nossa... É um coroa insuportável que só aparece no fim de ano. Ou alguém totalmente ODIADO, apático pra dizer o mínimo.

 E quando uma figura é odiada pelo público geral, fica mais suscetíveis a lendas, mitos ou fake news sobre sua carreira. Assim como tem gente que acredita que o Tim Maia foi humilhado pelo Roberto Carlos - deixar muito claro que isso NUNCA ACONTECEU - algumas pessoas também acreditam que o Luiz Gonzaga lançou uma indireta, uma diss como falam no mundo do rap para o Roberto Carlos, que no caso seria "Xote dos Cabeludos" (1967).

Essa história tá muito embaraçada, vamos pentear e esclarecer tudo agora mesmo.

O que é falado?

Vou parafrasear algumas postagens da internet, muitas dizem que o Roberto Carlos teria dito algo contra o Luiz Gonzaga lá em 64 e então o rei do Baião lançou Xote dos Cabeludos em resposta, já outras versões só atribuem que essa música teria sido endereçada ao Roberto, pois bem. 

 Primeiro, a música é de 1967! Do álbum Óia Eu Aqui De Novo. Segundo, a música NÃO FOI COMPOSTA pelo Luiz Gonzaga, o seu compositor é o José Clementino. Não há evidências de treta do Roberto Carlos contra o José Clementino. Assim só podemos concluir que essa conversa é uma lorota das grandes. Ou declarações do então Rei sobre nordestinos, ou termos degradantes contra o forró.

 Atribuir Xote dos Cabeludos ao Roberto Carlos é um anacronismo.

 A altura do lançamento do LP (meio de 67) o Roberto Carlos era conhecido, mas talvez não tão famoso assim, pelo menos não ao ponto de incomodar um compositor nordestino. O programa Jovem Guarda foi lançado em 66, no mesmo ano o Roberto tem uma faísquinha de sucesso com sexto álbum (Roberto Carlos 1966), mas ele vem mesmo a ESTOURAR e ser essa imagem rarefeitamente parecida com o personagem de xote dos cabeludos no FINAL de 67, depois que a música foi lançada, com o lançamento do álbum Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1967), onde tem por exemplo alguns hits como Eu Sou Terrível e Como É Grande O Meu Amor Por Você.

 Muitas pessoas consideram uma diss pela música começar com "desabafo de um quadradão", mas aí é tipo inventar história e tentar encaixar os fatos nela

 Outros pontos que acho importante destacar, a música na minha interpretação, nem parece ser referenciar a jovem guarda especificamente, me parece mais aquela coisa de cabra macho e cabra frouxo, e o cabra frouxo ser meio viadinho, ou afeminado. Por que eu trago essa coisa do afeminado? Só ver as características, cabelo grande, cintura fina (de pilão), salto alto, calça apertada e PULSEIRAS. E aí tem a contra posição que é o cabra de verdade, que trabalha o dia todo e de noite vai a missa. 

My Homophobic dog masterpost
momento cachorro homofóbico

 Sacou? Se fosse uma referência DIRETA Iê Iê Iê/Jovem Guarda teriam outras conotações. Algo mais associado a rebeldia, fervor e pra mim o mais importante: o CONTATO entre as culturas do matuto e a cultura do rock. É só comparar a música com outros forrós da mesma época, ou mais antigo que referenciar rock'n'roll ou Iê Iê Iê, antes de fechar a postagem vou mostrar elas.

 Assim, é impossível cravar como uma pessoa dos anos 60 pensaria em relação a jovem guarda, mas dá pra comparar com outras músicas que saíram do mesmo lugar comum onde Xote dos Cabeludos foi composta e com isso, extrair uma tentativa de "pensamento médio" dessa figura de observador de dois fenômenos culturais diferentes. Ou seja, os compositores dessas músicas utilizaram suas vivências (a mesma que o José Clementino) para descrever como o rock é.

Baiano Burro Nasce Morto | Álbum de Luiz Wanderley - LETRAS.MUS.BR
baiano burro nasce morto (1960)


MATUTO TRANSVIADO, do João do Vale interpretado Luiz Wanderley de 1960.
Foi regravada pelo Tim Maia em 1970, mas saiu como Coroné Antonio Bento

O mais impressionante de tudo é que essa música é de 1960, a turma dos Beatles ainda deveriam estar na Escola, o Elvis voltava de seu alistamento e no Brasil não se havia ainda o breve cheiro de rock no ar, exceto pela Nora Ney, que já tinha gravado A Ronda das Horas, interpretação brasileira de Rock Around The Clock em 55, clássico do rock americano. 

A música não possui essa postura de "no sertão não tem espaço não", mas sobre um casamento matuto onde o Bené Nunes, pianista de samba que existe, resolve desembestar e meter uns rock, com isso o povo fica maluco com aquele som. Que é uma percepção muito certeira do que o rock causava nas pessoas, esse ritmo frenético. Uma coisa interessante foi que o rock caiu nas graças das pessoas presentes no casamento, como pode ser visto nessa parte:

Mеia-noite o Bené se еnfezou
E tocou um tal de rock'n'roll
Os matutos caíram no salão
Não quiseram mais xote, nem baião
Era briga se falasse no xaxado

Foi aí que eu vi que no sertão
Também tem os matuto transviado

TRANSVIADO é uma referência a essa juventude rebelde dos anos 50, o nome é oriundo do filme do James Dean Rebel Without A Cause (1955) que saiu no Brasil como Juventude Transviada. Coisas da língua portuguesa. 

Jackson do Pandeiro - É Sucesso (1967)
Jackson do Pandeiro - É Suceso (1967)

Lançado no mesmo ano de Xote dos Cabeludos, esse álbum tem um descrição bem diferente de uma suposta percepção sobre o Roberto Carlos (por exemplo) em duas músicas. A primeira é parecida, Iê Iê Iê o Cariri com Matuto Transviado, o eu lírico vai ao Cariri para ver caipiras dançar o tal do rock, a descrição não tem nada de conotativo ou essas coisa de "ahhh isso não é música de macho não", vejam a letra, escutem a música.

Eu chegar francamente até gostei
E aqui vou contar o que eu vi
Vi um velho com mais de oitenta anos
De calcinha apertada na gandaia

Dançando com uma velha de setenta
A coroa tava de mini saia

Vi muita caipira bonitinha
Mastigando chiclete no embalo
E matuto com pinta de playboy
Falando na giria como eu falo
Sanfoneiro tocando Iê Iê Iê
Pois se o cabra no fole era raçudo
Até o Coronel dono da festa
Esse era um tremendo cabeludo

Tem até uma referência a cabeludo, mas é diferente. Tem como ponto em comum a presença dos instrumentos, em Matuto Transviado é um piano tocando rock e aqui é uma sanfona. O instrumento também é determinante em Mãe Maria, uma música onde conta a subida de vida de um matuto que estava morando em Copacabana, eventualmente entra na da Jovem Guarda. 

Comprei uma viola americana
E deixei o meu cabelo crescer
No embalo eu entrei na juventude
Misturando baião com iê iê iê

A música trata sobre uma mudança de vida pra melhorar, dentre elas crescer o cabelo, veja como não há referencia a cabelo grande, o que é diferente de ser cabeludo. Enfim, o ponto está feito.

Assim, para concluir, três fatores importantes:
1) Xote dos Cabeludos não foi composta contra o Roberto Carlos 2) Na minha OPINIÃO a música nem se referencia diferentemente a jovem Guarda no geral, 3) A percepção do forró sobre o rock não era necessariamente conservadora, o forró é um ritmo que sempre viveu da mistura de uma caralhada de coisa, então não faz sentido escrotizar um gênero.

até porque historicamente o único setor que se opôs ao rock e as guitarras elétrica foi a turma da MPB, que era uma elite artística com seus interesses econômicos, talvez os quadradões do sertão gostavam bastante.

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