Não é polêmico para ninguém dizer que as histórias do Batman tem um histórico de roteiros fracos, principalmente nos quadrinhos. Meio que Batman sempre vende muito, e os fãs notórios do morcegão estão mais atento a perfomance/maneirismos do que de fato o emaranhado de tramas. Só pegar as histórias que são elencadas como 5 melhores, parecem ligar apenas para o fator de vendas porque tem cada uma, melhor deixar baixo.
Tem outro fator, dos anos 90 pra cá (na verdade Batman pós-Frank Miller) ele entrou numas aventuras estranhas, cada vez mais violento e mais solitário, como diz o geek médio "BATMAN BOM É O QUE MATA!!!" esse senso comum está muito atrelado ao sucesso comercial que o revival do morcego teve nos anos 90, por conta dos inúmeros jogos, filmes, animação e obviamente: quadrinhos.
Particularmente, não gosto dessa pegada dita como séria/adulta/meio emo do Batman.
Nesse contexto CAVERNOSO (se me permitem o trocadilho) é que nasce a trilogia de sangue, na ideia de repaginar o herói, que era muito mais brincadeira do que traumas. Se vocês foram lembrar das histórias dos anos 50-70.
Batman o Bravo e o Audaz #85 do Neal Adams e Dennis O'Neil |
E a cada novo trabalho noventista, com sucesso ou não, cada quadrinista tentava dar a sua interpretação do Batman, ou apenas imitar o Frank Miller copiosamente (cof cof Longo Dia das Bruxas) o que Monch e Jones trazem de novo para o Batman? Iremos descobrir agora.
1. Desenhos
Primeiramente, como rito do Marginália 3, observos a questão gráfica: Kelley Jones é um quadrinista bastante famoso por essa HQ em específico, seu traço é sujo, tenebroso e tem um carater meio de monstruosidade, brincando bastante com proporções e forma do corpo. Definindo muito bem seria algo GROTESCO, consegue tirar uma expressividade e movimento, casando muito bem com a proposta que conta com muitas cenas de porrada seca, saltos entre prédios e planagens de capa.
A sequência de ações mescla o estilo mais cinemátográfico (como closes de rosto e cenas SPLASH!) com algo mais próprio dos quadrinhos (como contar duas narrativas na mesma página) sabendo oscilar muito bem entre momentos de mais corridos e momentos mais dramáticos. Ou seja, não se demora nas cenas de ação, nem passa voando nas cenas de drama. O layout é bem conservador com poucas quebras de "barra branca" nem inventa layouts tortos, tudo retinho e segmentado.
Tudo isso só pra abrir um bueiro |
Tudo é muito exagerado, emocional, pesado. Aquele quêzinho de novela mexicana com temática gótica. Nesse tema, há bastante ornamentos tipo as das gárgulas, a presença de muitas cenas no esgosto e arquitetura que me lembra de relance a versão do Tim Burton do Batman, MAS não fizeram o erro de pintar ele de preto. Por falar em cores elas entregam uma mistura sombria sem ser escura, rola uns constrantes, uma presença muito forte de roxo e umas estilísticas que deixam a coloração "suja", mais ou menos é um tom pastel invertido, no lugar de ser leve e desaturado, utiliza a saturação para entregar algo mais denso. PORÉM, sem nada que precise apertar os olhos para ver.
Se ficou confuso, só pensar em qualquer álbum do The Cure, é nessa pegada. Apesar de muitas cores, é bastante sombrio.
Achei Chuva Rubra muito melhor elaborada no quesito artístico, já a segunda parte da trilogia que é Tempestade de Sangue a coloração e traços deixa muitíssimo a desejar... Pelo menos no scan que li.
Refaço minha colocação, talvez por um prazo mais apertado a questão técnica, em anatomias e formas cai em queda livre. Atrapalhando na intepretação de algumas cenas, mas... Quando é pra valer mesmo, as cenas chave, não deixam a desejar em nada. Kelley Jones pelo menos não falhou na hora errada.
Mesmo com a presença de cores fortes como amarelo, a composição continua sombria em Tempestade de Sangue.
Belíssima composição de cores |
"ainn que delisiã, cair num rio de noitinhaaa" |
Outra coisa que o Jones peca muito são as partículas de sangue, além de mal desenhadas, na coloração fica parecendo calda de chocolate, aquelas de sorvete mesmo.
Help me a help you |
No geral, é um trabalho na média do que os quadrinhos entregam, tendo alguns momentos de absolute cinema e outros de Rob Liefeld. Não irá estragar sua experiência com a obra, aliás o bom roteiro e a história envolve te faz ignorar algumas questões. Pois então iremos falar do bonito:
2. Roteiro
Essa vai para aqueles fiscais de fidelidade que fica em cima de qualquer adaptação que mude a menor coisa possível dos quadrinhos, o Batman do Doug Monch não é um garoto de oito anos que não cresceu, nem um investigador perfeito, ele é um completo lunático que se acha moralmente superior aos determinados "vilões" só porque ele não mata. Não matava, nessa ele mata. Então o Batman aqui está mais para PM do que Sherlock Homes. Aliás, Monch quebra algumas "premissas" básicas de qualquer história do Batman, em outros termos é o seguinte: No imaginário nerd geral há uma imagem do Batman, há uma imagem do Homem Aranha, há uma imagem dos X-Men que são um ponto de convergência das histórias mais lidas, na verdade um tipo de "sumário" do que aquele personagem é. Nem sempre, em verdade, representam de fato o "espírito" do personagem, o que importa é que ele existe.
No caso do Batman (por ser um personagem de muitas mãos em cima e muito antigo) é um pouco mais díficil de definir, mais ou menos seria um ricaço traumatizado que faz vigilância numa cidade muito caótica, e é um herói "sem poderes"* que trabalha mais de investigador na maioria das vezes.
*Apesar da premissa do Batman é não ter superpoderes ele notoriamente faz atividade que são muito além do que qualquer ser humano, e isso está presente em qualquer mídia do herói, então... Eu mesmo nem considero muito isso aí.
Vamos partir do princípio: O primeiro título trilogia, Chuva Rubra se passa em um mundo alternativo, onde a data não é específicada e nem nada sobre o Batman é apresentado, salve engano os seus pais sequer são mencionados. A história é direta: vampiros estão atacando Gotham City e há todo um arco, que envolve alguns delírios do Bruce (nada novo) sobre a investigação do que porra está acontecendo, um procesos ceticismo inicial e uma completa desilusão sobre o futuro de Gotham, essa parte é mais comum ao Batman.
Nessa parte, é tudo do normal convencionado sobre Vampiros dos anos 90, termos vampiros e caçadores de vampiros (que são vampiros), além de um debate se os vampiros são naturalmente ruins ou não. Sol, estaca no coração, visual de rave. Nada a acrescentar em relação a isso.
Eu arriscaria dizer, que essa é uma das versões menos inteligentes do Batman, não que ele seja burro, mas a história em momento algum retira dele alguma sacada genial ou solução de um grande mistério, até porque como mencionei, o mistério aqui é impossível do homem compreender, são questões quase mágicas... VAMPIROS!
O Batman desmonstra fraqueza por lidar com algo totalmente sobrenatural, afinal estamos falando do Drácula, que está "colonizando" Gotham City, no primeiro quebra pau entre os dois Batman sai de uma situação quase morte, assim como inúmeras histórias pós-Frank Miller, ele toma um coro e sai todo quebrado... Precisando de uma transfusão de sangue para continuar a viver... Justamente de uma caçadora, e aí que a história da trilogia começa de fato! Dá pra falar em termos filosóficos que a transfusão de sangue de um vampiro para o Bruce Wayne é a decretação da morte do Bruce, que inclusive tem uma das melhores representações visuais dele que já vi:
O término de Chuva Rubra decreta a morte do Bruce Wayne para a transformação completa dele no Batman, nesse caso em sentido literal. Olha o significado tá fácil, o "man" de Batman se foi, ao passo que ele vira uma criatura de fato. Isso fica muito claro quando ele decide detonar a batcaverna que estava virando um antro de vampiros, a Mansão Wayne tradicional casa de uma família e certa forma única coisa símbolica que seus pais deixaram de herança (além dos bilhões* de dólares).
*Só por curiosidade, Bruce Wayne não é mencionado como bilionários, mas "apenas" multimilionário nessa HQ
Como havia dito, a motivação inicial do Batman não era a clássica vingança, era mais um senso de urgência batendo na bunda pelo alto números de vítimas do que parecia um serial killer, lidar com bestas de outro mundo e ainda um sentimento de impotência, porque dessa vez seus inimigos não eram apenas alguém com doutorado que tinha ficado maluco, mas VAMPIROS serem imortais, dificultando a vida do (de ofício) morcegão. O tema Batman broxa, quer dizer, impotente dá pra decretar que é a marca registrada de suas histórias mais sombrias, em algumas ele é só mais um expectador do que sujeito ativo do processo (exemplo: Batman O Messias) mais ou menos igual ao cliché do superman fia da puta.
Essa quebra de paradigma estabelecido é sutil, Batman passa a se mover por vingança contra o Drácula quando Tanya (só uma gostosa vampira-caçadora que aparece exclusivamente para MORRER) morre nas mão do vilão, e agora o Batman (também quase-vampiro) precisa enfrentar o líder do covil.
As apostas feitas são conservadoras, estabelecendo e retirando seus próprios "conceitos novos" da história, seu trunfo principal é a condunção e construção do ambiente gótico que é muito bem feito, apesar de totalmente diferente daquela Gotham de prédios comerciais enormes, aqui termos ruas estreitas e casas menores. Inclusive depois da explosão passam a morar em um tipo de apartamento.
Ou seja, mesmo com o Monch corrompendo a premissa do personagem, o seu movimento não é tão disruptivo assim, porque acerta na personalidade do Batman mesmo em contextos diferentes voltando a aquele velho Batman que todos nós conhecemos (mais ou menos). Pense em um movimento de pesca, por mais longe que a isca vá, ela sempre retorna ao pescador.
Sem nenhuma grande surpresa, Batman consegue matar o Drácula num sangrento duelo fechando em três capítulos a primeira parte da trilogia.
Só que a paz está longe de pairar sobre Gotham, porque os problemas só estavam por começar...
Para gozo de todos os nerdolas que adoram o Snyder, esse Batman mata! Em Tempestade de Sangue Batman, que se declarou como morto, no maior modo animal possível, decide sair matando vampiros a rodo, seguindo o legado de Tanya.
Vamos racionar, mesmo o Batman não ""matando""* ele não ajuda em nada na diminuição da violência da cidade, já que seu serviço de vigilância truculenta só instaura o caos e medo nas ruas, sentimentos que não são nem um pouco almejados. Exceto pelos governantes, que tem muito a ganhar com o medo geral instaurado na cidade. Onde quero chegar com esse pensamento é: matando ou não, as meras razões morais do Batman não justificam seus atos tenebrosos e o Monch consegue deixar esse fator presente até de uma forma irônica, quando em determinado momento o Batman diz que "Não toma sangue" e um personagem que me esqueci o nome diz "mas derrama bastante".
*Minha gente, estamos em 2024, dizer que o Batman não mata é uma piada né? Até nas histórias infantis ele dá uns porradão que ia derrubar qualquer cristão mais firme na fé, além de outras que o batmóvel atira de metralhadora, joga bomba, taca bazookada ou ele anda de TANQUE. Eu diria melhor que o Batman não executa a sangue frio suas vítimas, isso é verdade, mas matar... Tem uma rapaziada que foi conhecer o Maradona mais cedo...
E esse do Doug Monch não é motivado por trauma, vingança nem nada (seria uma pretensa moralidade mais comum que nem vale o debate), em Tempestade de Sangue é uma pura força maligna que voa pela cidade com sede de sangue, por mais que negue isso.
A sede de sangue não tem sentido apenas figurado, o Batman passou toda história apenas se alimentando por um plasma que é um simulacro de sangue, aos poucos vai ficando cada demais mais fraco ao ponto dele não se sastifazer mais.
Isso serve como alegoria para o Batman convencional, ele tem pulsão por violência, ele tem o genuíno desejo de matar, mas não o faz por amarras morais baratas, que passam longe de justificar sair de vigilante pela madrugada (OBVIAMENTE isso vai depender do autor que estar escrevendo o herói) e ainda, toda narrativa as vezes apresentada justifica sua própria existência, como apresentar poderes corruptos que não conseguem controlar Gotham. Basicamente, as histórias do Batman giram ao seu redor, não só o roteiro, mas como todo universo conspira ao seu favor (ou contra ele). Podemos falar de um Batcentrismo?
'Defeito' que não está presente nessa segunda parte, Batman é um MANÍACO que precisa ser controlado, ele só não tomou o lugar do Drácula como se tornou alguém PIOR do que o outro vampirão.
Resumindo a ópera, matando ou não matando, o Batman continua o mesmo, Doug Monch consegue sintentizar muito bem os debates presentes no personagem mesmo o corrompendo por completo,
Bem, por falar em moralidade, só existe um personagem capaz de tirar o Morcegão com Daddy Issues dos eixos, o Príncipe do Crime! O Coringa!
Enquanto o morcego aluncionado mata a rodo, Coringa ia tomando conta de tudo. Ou o plano do Coringa era matar o Batman mesmo, nunca se sabem as intenções peversas dele...
Nesse meio termo Selina Kyle é atacada numa cena rídicula por um tipo de lobisomem, virando um tipo meio lobo-meio gato, mas a história é tão foda-se para essa parte mitológica que eu faço questão de pular. A função da mulher-gato-lobisomem é fornecer closes de bunda e morrer lá perto do final.
Também vão aparecendo para ser mortos outros vilões do Batman, como o Espantalho, Pinguim, Crocodilo e o Charada? É o velho problema de colocar os vilões só como um adesivo na página sem profundidade nenhuma.
De qualquer forma, a sede do Batman vai aumentando a cada página, seu desespero vai ficando mais evidente, ele está doidinho por uma mordida no cangote de alguém. Com isso aos poucos vai se apegando a mulher-gato em um verdadeiro affair (fica tão gritante que ela vai morrer também). Todo esse arco, apesar de alguns tropeços é muito bom de acompanhar e a história continua sendo, apesar de contextos diferentes, bastante fiel a personalidade e a ideia de Batman e universo Batman.
Porque o Coringa é a única pessoa a tirar o Batman do sério, a ele quebrar seus próprios dilemas morais baratos que acredita tanto. Aqui não é diferente, pra variar, perde seu segundo par romântico e chegar a chorar! Coisa que poucas vezes vi nos quadrinhos... (não leio tanto Batman pra ratificar essa informação).
Fazendo que o Batman chegue ao seu limite psicológico, igual ao fim de Piada Mortal, mas como essa HQ é melhor escrita do aquela-lá, não tem um final ruim. Finalmente consegue pegar o Coringa e o final apesar de previsível, surpreende por sua construção. Morde o pescoço do Coringa e toma seu sangue...
ISSO é uma verdadeira cena clássica |
Ao final de tudo, pede que Alfred enfie uma estaca no seu peito, terminando trágicamente o segundo arco da história.
E aí na terceira parte (Bruma Escarlate), que é dividida em dois volumes começa tão mal, mas tão mal que nem vale a pena terminar de ler, sinceramente. Em termos: Alfred se vê desesperado com o aumento da malandragem em Gotham e decide reviver o Batman, caindo no problema do Batcentrismo que defini mais cedo. Sinceramente? Monch e Jones parecem jogarem tudo de diferente construíram nas outras duas partes. Um pouco dessa decadência já começa em Tempestade de Sangue e se perde totalmente depois. Então vou sumariamente ignorar a terceira parte.
De qualquer maneira, vamos falar de seus valores: Retirar o personagem principal do seu próprio passado e localidade não é fácil, aliás deslocar o mesmo personagem de todo o contexto que justifica a sua existência, Doug Monch consegue trazer um imenso desconforto para o Batman, ao ponto dele está totalmente deslocado em sua própria HQ que leva seu nome. AINDA ASSIM consegue extrair a nata de sua personalidade e uns dos debates presente se ele deveria ser mais carinhoso ou não com os capangas do Pinguim.
Não carece essa HQ, em seu pontos altos, de personalidade. A estética gótica é muito bem acertada na medida, mesmo que o Kelley Jones não seja uns dos melhores, entrega um projeto nos limites de sua técnicas, sólido.
O projeto se perde, tanto na estética, tanto no enredo quando abandona a si mesmo em suas pretensões inicias. No final de tudo, Batman deixa o Doug Monch deslocado.
Vale a pena ler? Acredito que sim.
E passem bem longe de Bruma Escarlate.
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