Claudinha Leitte e Ice Spice (rapper estadunidense) |
Se você tem costume de interagir com hominídeos que possuem o desprazer de pagar impostos e drenar seus receptores de dopamina em vídeos curtos (famosos humanos) já teve ter, em algum momento, ouvido a famosa frase de "não se faz música como antigamente"/"as músicas atuais não prestam"/"hoje só tem porcaria"/"hoje é só mulher balançando o rabo para ganhar dinheiro" (nota: isso sempre aconteceu, só parece ser um problema quando é a mulher que está lucrando ali) etc etc etc. Em suma, a música atual, supostamente, não vale de nada! Tudo lixo sonoro e o escambau. Há duas vias que explicam esse sentimento, um plausível, e outra meio nazista mesmo.
Sim, não exagero no que digo, explico com calma, começando pela notícias piores.
1º
Importante esclarecer que o nazismo é um complexo de ideias e aplicações práticas, ao mesmo tempo que não é algo nada de extraórdinário na humanidade, os elementos presentes na alemanha nos anos 30-40 existiam antes, e continuaram a existir depois. O fascismo é algo perigoso e sorrateiro, podendo se expressar em coisas mais simples, como o sujeito falando porque não gosta de certo estilo musical... Quer ver como isso fica evidente? Reaças que reclamam do funk. Todos os argumentos apresentados contra o funk são genéricos, aliás, só é aplicado ao funk em especial porque vem da favela, já que esses outros mesmos elementos são presentes em outros gêneros musicais e não recebem o mesmo tratamento, tal qual:
#1"música repetitiva", música é repetição. Independente do gênero, ainda mais de um feito pra se dançar, não pra ficar apreciando enquanto toma uísque, ou coisa parecida
#2"só fala p%taria", só digo uma coisa, uma tal banda chamada Kiss.
#3"música pobre teoricamente", assim como repetição, simplicidade pode ser algo de diferencial numa música, a lógica de quanto mais díficil melhor não tem sentido. Fora isso pouquíssimas músicas, até no meio "erudito" são realmente díficeis em questões de harmonia. Exceto pelo Jazz, que é outro rolê
#4 "música de bandido", então, quando é um filme do Scorsese sobre facções criminosas é algo cult né? Scarface, uma obra de arte, Peaky Blinders é coisa de macho, mas quando a bandidagem é local meio que não vale de muita coisa. Nem adianta falar que são coisas diferentes, é a mesma coisa de romantizar uma vivência em atividades extralegais, aliás tratando as mesmas abordagem como tráfico de drogas.
e etc
Os dois itens que marquei tem um forte caratér de racialização perante o debate, isso é bem óbvio. Até porque a visão socialmente de um bandido não é a mesma coisa de um mafioso. Essa visão da existência de uma cultura pobre, baixa, degenerada, podre, que não vale a pena de ser ouvida ou quem houve está "contaminado" não difere da visão que os nazistas tinham de Verfallskunst a famosa arte degenerada.
exposição de arte 'degenerada' |
A arte moderna junto com aquela produzidas por comunistas e judeus eram vistas como 'pobres', e todos os adjetivos negativos que elenquei acima, aliás uma parada bastante cruel que faziam eram comparar as formas dos corpos na arte moderna com pessoas PcD, com aquela ideia de pureza humana que carregavam, uma "arte impura" que representava corpos "deformados", em contradição com a arte nobre, uma arte decente e óbviamente uma arte antiga, a neoclássica, que já é uma romantização do período greco-romano, ou sejam, os nazifascistas romantizavam uma período artístico que já era uma ficção de um período da história, que coisa, menina.
aqueles corpos sarados de mármore, que delícia! |
Aqueles que falam na cara dura que funk é um lixo, tem som de descarga e outros insultos baratos não passaram de reaças. Com uma argumentação nazista.
E quando digo argumentação nazista é válido pois o fascismo não é nada de extraordinário no mundo, existem ideias "comuns" que com um pensamento mais estimulado pode chegar a determinadas ideologias, um exemplo delas é um militarismo/punitivismo (que está presente em todos os campos políticos)
O presente vive em ebulição, com suas contradições, diveras faces e por que não confusão? É bem mais díficil compreender o agora do que compreender um evento resoluto, como o passado. O passado não pode ser mudado e o melhor, tem a opção de ter contado e modificado ao seu belprazer, basta selecionar os fatos que a te importa, ou seja, é claro que o passado sempre vai ser melhor do que o futuro.
Assim como o trap ou qualquer música atual é vista como lixo atualmente, o mesmo era do rap de 2010 pelo uso massivo do autotune (críticado até hoje), músicas pop tipo Latino nos anos 2000 pelas músicas chatas e chicletes demais, o rap dos anos 90 por ser música de apologia ao crime, os famosos bate estacas dos anos 80 por ser cheio de maneirismos, ou talvez o rock do Black Sabbath por ser satânico em meados dos anos 70, o João Gilberto teve dificuldades no começo da carreira por cantar baixo demais e simplesmente fundou a bossa nova, ritmo que leva o Brasil onde passa até hoje, Rock dos anos 50? Nem preciso falar alguma coisa, tal como no Brasil os famosos boleros já era uma música ultrapassada... Nem mesmo o Jazz foi poupado, o senhor Adorno e sua escola de Frankfurt que o diga. Então, com base nessas ideias, nunca tivermos um ápice musical na história? Porque sempre foi uma porcaria.
Inclusive Bach, ele mesmo
Johann Sebastian Bach, que só veio ter uma relevância enquanto compositor praticamente 80 anos depois de sua morte, lá no século 19, morreu sem nenhum tipo de rasgação de seda que recebe atualmente. E eu iria aqui até um ad infinitum. O ponto é: Se resguardar ao passado sempre será mais confortável e mais fácil, então é natural que você enxergue a qualidade do passado, ao ocultar, talvez não propositalmente aquilo que não iria favorecer a visão.
Portanto, na minha opinião não há de se falar que a música atual é ruim ou boa, é música, e a sua dimensão e impacto só poderão ser medidas na próximas década, e por que não no próximo século? Processos históricos são muito mais amplos do o pensamento limitado de "foi positivo" e "foi negativo".
Atualmente termos inúmeros vídeos curtos (tiktok, shorts, reels) replicando as mesmas músicas a exaustão, um excesso de informações vindo de todos os lugares, mas esse argumento não pode ser utilizado pra definir a qualidade das músicas atuais porque em outros tempos não se tinha o tiktok. Se hoje termos músicas adaptadas as tiktok, uns 20 anos atrás se tinhámos músicas pensadas para o rádio, porque a lógica por trás é a mesma, enfiar o produto goela abaixo ao usuários, independente da plataforma. Poluição de informações dá bastante lucro.
Me usando como exemplo: Eu "não gosto" de música eletrônica, mas não há nenhum motivo especial, apenas desconheço e é algo fora da minha vibe, não preciso fundamentar um não-gosto em algo real, já que é apenas um sentimento comum. Na maioria das vezes você não escuta algo por desconhecer ou desinteressar, é suficiente para justificar seus gostos, ao invés de falar que não gosta, que dizer que não conhece? Ou não escuta?
Até pela incapacidade de conhecer todos movimentos musicais atuais, pensa comigo, há quem diga que queria ter nascido nos anos 50 por causa da música da época, mas você acha que todo mundo nascido em 1958 conhecia Put Your Head in My Shoulder (Paul Anka) eu acho bastante díficil, ainda mais com o tamanho da população rural da época. É mais fácil da música comum da época ser um country desconhecido hoje em dia, do essas músicas yankees de fato.
Hoje só conhecemos essa música porque ela é passado, é mais fácil de acessar, mas quem foi correlato a época não deve ter a mínima ideia. Assim como a melhor música do ano (2023) você sequer tenha ouvido falar, e talvez morrerá sem saber, esse é o "problema" de se viver o presente.
Daí vale aquela pergunta de: porque uma música country dos anos 50 não sobreviveu a história e Paul Anka sim? Quem é capaz de registrar e contar a história? Quem é usualmente apagado?
O passado tem essa capacidade de reconhecer quem não tinha tanto prestígio, o presente não de tá alternativa senão viver a realidade. Para fechar presente postagem, acredito que toda forma de arte tenha algo que valha a pena de ser apreciado, até música eletronica que preciso conhecer mais, toda forma de expressão é válida e tem algo a dizer, se você abrir mão de conceitos prontos de sua mente, quem sabe não acha seu espaço em cada tipo de música? Dá uma chance :)