Essa capa não foi patrocinada. |
Uma nota sobre esse quadrinho, hoje, 05/08 liguei o computador para fazer um download, como vi que ia demorar, abri Piratas do Tietê para ler. Me liguei tanto nas tirinhas que esqueci completamente do que estava baixando. Isso indica muita coisa.
Essa revista foi pirateada (óbvio), o que nem chega ser uma ironia. Vou passar o site de onde tive acesso foi do blog Download de HQs scans realizados pela/o Dani, seja lá quem seja muito obrigado e viva a pirataria!
Para não spammar essa postagem com bazilhões de fotos, confira nosso arquivo aqui.
De onde vem Laerte?
Laerte está inserida em um daqueles movimentos que consolidou os quadrinhos brasileiros, que aqui chamamos de CARTUM, por isso, artistas como a Laerte são chamadas de cartunistas, não quadrinistas a diferença do cartum/ou tirinhas para os Gibis ou HQs é que o cartum geralmente tem um tom mais humorístico/satírico que costumam aparecer em jornais ou revistas (como o Pasquim), as vezes recheados com críticas políticas, mas aí geralmente são charges. também Já a história em quadrinhos são revistas de tirinhas sequenciadas, sendo heróis o segmento mais famoso. É o que impera, pelo menos imperou por muito tempo no Brasil foi esse mercado do cartum, e cartunistas como a Laerte que fizeram esse gênero se consolidar no país.
Esse famoso movimento vem de São Paulo, muito bem representada pela revista Chiclete com Banana (editora circo, a mesma da revista aqui) que acabou por consolidar esses nomes do quadrinhos "underground", Los Três Amigos* junto ao Luiz Gê e até algumas tirinhas internacionais da divindade dos quadrinhos underground, Robert Crumb. A maioria das histórias tem essa cara bastante urbana e com uma pegada mais punk, o que era a moda contra cultural da época. Quadrinhos pretos e brancos, escatológicos e recheados de putaria, chegamos nesse ponto mais tarde.
Laerte, Angeli e Glauco |
Assim como o metal, o meio cartum com o passar dos anos (e o embraquecer dos cabelos) virou um recinto de boomer, com humor duvidoso, piadas com sogra e "odeio minha esposa gorda", aliás, o humor sempre foi nessa pegada 'mais masculinista' desde da aquela época e já era um problema também desde daquela época. Não dá pra chamar de natural, porém esperado de homens brancos paulistas produzindo humor, de fato tem coisa que é intragável de consumir, isso significa que antigamente era permitido e hoje proibido?
Não,
significa que hoje populações consideradas marginalizadas divide em pé de igualdade com os grupos da ordem dominante o mesmo espaço, ou seja, hoje em dia é muito mais fácil falar mal do Monteiro Lobato, basta bom senso e um aparelho conectado a internet. A internet não democratizou o debate, apenas possibilitou um feixe de luz para aquelus que viviam no escuro, digo isso como um homem assexual, que se não fosse a internet estaria embolado com a própria sexualidade até hoje. Isso significa que antes não existia preto, trans, gay, mulher ou outras minorias? Não, apenas podemos ir dividir espaços junto a grupos de ordem dominante, graças a produção massiva de mídia vindo de todos os lugares e todos os cantos, podemos, enquanto minoria, pautar debates melhor do que quando o meio era só feito de homens, brancos, cishéteros na sua grande maioria, puxando o próprio saco e inconsequente dos efeitos que tais abordagens poderiam ser para pessoas fora desse esquadro, que é bastante apertado.
Só que a dinâmica das redes sociais só proliferam tretas, falsos debates e polêmicas, com algoritmos reconhecidamente propagando a rodo conteúdos fascistas e até decidindo eleições por conta disso. Porque a internet não é terra de ninguém, tem dono, tem interesses por trás e objetivos também, além de ser controlada por um meio arbitrário chamado algoritmo, que são programados por pessoas, que estão seguindo ordens, sejam diretamente dos donos como Elon Musk no xwitter ou de quem tá pagando a mais por isso. Não vale dizer por aí que a internet é democrática, todavia isso é papo para outra postagem. A disparidade do poder econômico, aliado a outros fatores e relações de poder ainda se aplicam na internet, é como se o coturno fosse tirado do pescoço e começasse a pisar no peito.
Dona Laertinha, indignada com os memes do twitter |
De onde vem Piratas do Tietê?
Publicado em formato de tirinha lá pra 1983 Piratas do Tietê é um trabalho de longo tempo da Laerte é postado até hoje. Uma ideia simples, bucaneiros no rio Tietê, o famoso rio paulista que corta o estado, indo de Salesópolis até Itapura, desaguando no rio Paraná (oh coitado).
Essa revista de mesmo nome publicada pela editora Circo em 1990 talvez seja um atestado de "auge" artístico, caramba, ter uma revista só pra si é sinal que Laerte estava consolidada, e estava mesmo.
Os piratas em si são desordeiros, saqueadores, imorais e até pouco carismáticos até certo ponto, mas não carecem de personalidade, principalmente o capitão, que dá pra eleger como protagonista na maioria das histórias.
E dos imorais que são, sempre estão bebendo, decapitando pessoas, roubando em bando e estuprando mulheres a rodo. Sim, se dá pra elencar uma coisa ""ultrapassada"" são as piadas com estupro, praticamente toda personagem feminina que tem o mínimo de contato com os piratas do Tietê é violentada, algo consciente, visto que são personas retratadas como bárbaros, contudo inconsequente pela quantidade absurda de cena de estupro (não é nada prolongado e visceral, mas é claramente um estupro e mostrado como um, só tem uma quantidades cavalares).
E tudo num clima meio "garotos são garotos", bem masculinista, aliás a quantidade de pênis presente nessas 14 edições do Piratas é algo cômico, nesse quesito nada diferente dos outros artistas, aliás, tem uma história só sobre isso, e é uma das minhas favoritas. Crise, publicada na edição 7
Se quiser ver o objeto vai ler os Piratas! |
Falando no popular, tem pau pra caralho nessas histórias.
Tudo isso de forma arquétipica, sendo um modelo que não se encaixa em ninguém especificamente, de fatos personagens, não caricaturas preguiçosas. De personagens reaças dá pra citar Silver Joe (caçador de piratas), o Síndico e o Capitão Douglas. O pânico moral é presente também, até uma tira que cita a terrível invasão islâmica ao Brasil, a fake news mais velha do mundo evangélico (talvez no tempo das cruzadas fizesse sentido).
essa me tirou boas gargalhadas |
Mesmo nas tirinhas de protesto, o humor estava presente, isso fez que o imaginário brasileiro ficasse que tirinhas servem apenas para comédia, seja para criticar o governou ou alguma piada com rola, o que dificulta a adesão do público geral em trabalhos mais sérios, que também se faz presente aqui. Hoje a Laerte é mais conhecida pelas tirinhas abstratas que "ninguém entende", mas oras, quem disse que a arte tem uma utilidade prática? Essa presunção de entendimento pode atrapalhar a sua imersão no conteúdo, porque já se entra achando que tem algo pré-estabelecido, quando na verdade quem vai ditar o que a obra vai ser é ela mesma, na sua apresentação. E esses trabalhos mais sérios também estão presentes, mais rarefeitos, mas estão presentes sim. Lendo Piratas do Tietê você já consegue enxergar esse brotozinho da Laerte de hoje em dia.
O humor está sublime, eu ri de chorar e dar aquele tapinha no joelho em algumas.
Não diria que a proposta aqui é poleminzar* através do absurdo, como é comum em quadrinhos dos anos 80, mas provocar, sutilmente ou as vezes mais gritante como Luta Livre de Classes (n3)
Laerte não te incomoda, mas quer falar com você sobre alguma coisa, daí demanda a sua atenção maior para o que ela quer dizer.
Apesar de ter ficado pior, é sinal de uma profissionalização, as histórias ficaram mais longas, menos histórias diferentes, alguns bons "dramas", como Salvador 40 Graus. Arriscar tão alto numa fórmula que já vinha dando certo é uns dos motivos pelo qual essa revista vale a pela.
Não há muito o que se elogiar graficamente nessa revista, apenas Laerte Coutinho, não tenho nada mais o que falar sobre.
O último ponto que ressalto são os editoriais da Laerte no começo de cada tira e as cartas do Tietê no final de cada edição, uma interação direta entre a cartunista o público. Ler esses documentos podemos entender do cenário de quadrinhos da época, o cenário de São Paulo, do Brasil, detalhes da vida pessoal dela e seus referências também, além da publicação de zines e tirinhas amadoras, claro, os hates também, que tem bastante. Público exigente.
Com isso ganha um feição mais intimista, descobri que Laerte já foi filiada ao PCB por exemplo.
Em síntese destaco individualmente a história do Batman se unindo aos piratas, na edição de compilação de histórias antigas, a 12
Nem é tão boa assim, mas é o Batman Laerte!! |
Em linhas gerais, Piratas do Tietê é um cartão postal da cidade de São Paulo, da obra da Laerte e dos quadrinhos undergrounds paulistas da época, a partir dessas 14 edições dá pra se estratificar o suco que é a mente dela, que é uma das maiores que termos, se não, a maior na arte de fazer tirinha. É uma obra que sobrevive ao tempo, se fazendo necessária até hoje, para entender esse extrato tão perigoso que termos rodando pela sociedade (e aqui não estou falando dos piratas). Uma coisa que os cartunistas de Instagram estão tentando fazer desde de 2016 já foi muito bem feito em 1900.
Seja para conhecer a história da arte nacional ou apenas se divertir recomendo, fortemente, Piratas do Tietê, 1990, Laerte Coutinho.
Informações chatas
Todas (ou pelo menos a maioria das histórias) presentes em Piratas do Tietê
n14, Última edição
Shangri-lá (os piratas)
Aqui
O condomínio
Darling Diary
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