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Por que o Zeca Pagodinho toca samba e o Exaltasamba toca pagode? RESOLVENDO O MISTÉRIO!


Esse homem é a Brahma personificada

Umas das piadas mais velha da internet são aqueles posts que apresentam "contradições", tipo o milho verde é amarelo, o quadro negro é verde, o Belo é feio, o Zeca Pagodinho toca samba e o Exaltasamba toca pagode. De bônus eu posso responder as duas primeiras:

O milho verde é por causa do tempo de maturação do milho, o verde não é cor, mas sim o contrário de maduro. O quadro negro é porque as lousas antigas eram feitas de ardósia, uma rocha natural de coloração negra/cinza escura, considerando que o giz é branco, produziam belos contrastes.

Já o Belo, segundo o próprio pagodeiro ele tinha fama de namorador (acredite se quiser) e uma amiga da mãe dele, que era da igreja, para não chamar o pequeno belinho de safado, porque seria um palavrão, chamou o peralta "ele é muito Belo", como costumam dizer, a diferença da realidade e fantasia é que a fantasia faz sentido. 

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Resolvida questões menores, vamos ao ponto principal, que vai demandar um textinho bom: Por que o Zeca Pagodinho toca samba e o Exaltasamba toca pagode? Essa pergunta só pode ser desvendada com um exame da história do Samba no Brasil e seu renascimento.

♪ Samba, da cara feia à cara do Brasil (1900-1950)

Não vou me alongar na origem do samba,  para não fugir muito do texto. Mas fazer algumas pontuações. A primeira é que sim, surgiu na Bahia, mas teve o seu polo mais desenvolvido no Rio de Janeiro, por questões muito óbvias, o RJ era a capital federal e a principal cidade do país a época do comecinho do século 20.

A história do samba no Rio de Janeiro acaba se misturando muito com o Choro (ou Chorinho), que é um ritmo do século 19, bem mais antigo. Se mistura especialmente na figura do Pixinguinha, simplesmente um dos maiores de todos os tempos. Pixinguinha estava presente no primeiro (considerado) samba já gravado foi Pelo Telefone em 1916, junto com o Donga e João da Baiana, sambistas famosos.

A relação do samba-Brasil acredito que possa ser comparada com algo que termos hoje com o funk, é algo bastante popular, tem um mercado forte, é bem tocado nos principais meios de mídia (no caso do samba rádio), mas parcelas mais conservadoras fazem/faziam uma carinha feia com o gênero musical.

Sabe qual música é uma crônica precisa disso? Pra Que Discutir com Madame de Janet Almeida e Haroldo Barbosa, gravado em 1945, mas que ficou mais conhecida pela versão do João Gilberto (apresentação em 2000, Buenos Aires. Aquela show terrível com o Caetano Veloso). 

Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba, coitado, devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de cor
Madame diz que o samba democrata
É música barata sem nenhum valor

Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra quê discutir com madame? 
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra quê discutir com madame?

No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na Avenida, entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno, meu Deus, que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor

Se você trocar samba por funk nessa música vai dar a mesma coisa, é por pura coincidência?

Especialmente por ser associado aos morros e carnavais, parcelas mais populares (leia-se POBRE) da produção artística. Mas paulatinamente foi ganhando seu espaço, se consolidou com os sambas-canções de muito sucesso nas rádios dos anos 50, samba-canção que se misturava com o bolero*

*cabe destacar um seguinte: As gravadoras no anos 50 possuíam seus próprios músicos, ou seja, quando o cantor ou o artista, independente do gênero musical que fosse cantar sempre estava acompanhado das mesas pessoas ou dos mesmos instrumentos, o que acabava "embolando" as músicas e adicionando alguns elementos do samba nos outros gêneros, foi assim que o forró tinha cavaquinho no meio, como nos primeiros discos do Jackson do Pandeiro(mesmo com o Jackson do Pandeiro gravando vários sambinhas coco). Isso inclusive deu parto a um ritmo chamado ROJÃO, mas aí é outro papo. 

Então nem sempre TÃO precisamente se consegue separa "Aqui é samba choro" ou "aqui é bolero", tudo junto e misturado do jeito que a gente adora.

O samba-canção acabou ficando batido, como toda moda, foi passando e ficando ultrapassado aos poucos. Em verdade, a altura dos 60 não se tinha nenhum grande cantor ou artista de samba, talvez a Nora Ney, que não durou muito por ser comunista e ter se exilado na União Soviética na primeira oportunidade que os milicos assumiram o poder. Dá pra citar o Demônios da Garoa, mas aí fica em Sâo Paulo, mas não fizeram tanto sucesso nacional assim. 

O samba perdeu espaço principalmente para a Bossa Nova e a MPB, com isso... 

♪ Agoniza mais não morre, a volta por cima com Beth Carvalho

Beth Carvalho - De Pé no Chão

Honestamente, De Pé no Chão, na minha opinião de um simples blogger de música brasileira é o mais importante álbum da música brasileira na década de 70, sem mais e nem menos. A Beth Carvalho não recebe a alcunha de madrinha atoa, mas chegaremos lá.

A essa altura do samba vivia alguns lampejos com sambas "autorais", muito na pegada no sucesso cult que o Cartola emplacou, que vale destacar só ganhou reconhecimento tanto pelo movimento de reconhecimento do pessoal que andava no Zicartola, justamente a galera da Bossa Nova. Também logo após do AI-5, boa parte dos grandes artistas estavam exilados, assim a gravadoras estavam atrás de novos nomes para emplacar o sucesso que a MPB teve na época dos festivais de músicas popular brasileira. 

Então a situação era poucos álbuns, tipo do Nelson Cavaquinho (só gravou 3 álbuns) e Elton Medeiros (um único álbum), ambos ligados ao fênomeno que citei O próprio Cartola só gravou 4 álbuns nos anos 70, já bem coroa da vida. Para não deixar também o Candeia de fora que fez bastante sucesso, e o Paulinho da Viola, ambos ligados ao Zicartola. Não é por coincidência.

Outro que estava ligada ao samba, mas era mais próximo da MPB do que o dito "samba de morro" era o João Bosco e Aldir Blanc. Bem diferentes dos outros citados. 

A sensação geral era que o samba tinha dado uma esfriada desde do começo da bossa nova, ou seja o ritmo morreu. 

Advinha quando saiu justamente uns dos maiores sucesso da Alcione? 1975, em seu álbum de estreia, "Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar"

Já a Beth Carvalho é uma cantora que começou no meio da bossa nova, e teve um relativo sucessivo de vendas nos anos 70. Com 12 álbuns lançados desde do começo da carreira e alguns bons hits como 1800 colinas e Andança. Que apesar de cantar samba, ainda era algo meio contaminado pela fascinação bossa nóvica que tomou conta do mercado, ela também tem gravações com bandas de Jovem Guarda, bem distante do samba. Do mesmo vale para sua principal rival no mercado fonográfico, Clara Nunes. Apesar que a Clara Nunes regravou e teve sucesso algumas do Nelson Cavaquinho, Cartola, Bosco&Blanc e Paulinho da Viola, então não representava uma significante ruptura com a morosidade.

A nossa querida Beth Carvalho era frequentadora assuída do Bloco Cacíque de Ramos, e aí que tudo começa a mudar...

Agora vem uma informação importante, todos os sambistas ou artistas da MPB eram da Zona Sul do Rio de Janeiro, que apresentavam aquele tipo de samba específico que possui um ritmo mais lento, uma ainda elementos próximos do chorinho, com as baixarias do violão. Baixaria são linhas melódicas tocadas nas cordas mais graves do violão, que geralmente nas gravações dos sambinhas antigos possuíam sete cordas, assim como no chorinho.

Já o Bloco Cacíque de Ramos, que foi formado em Ramos, mas tem sua sede no Olaria, é da Zona Norte do Rio de Janeiro, tendo um tipo de samba totalmente diferente que era tocado nas Rodas de Pagode.

Aí já matou a questão né, o nome da reuniões para tocar samba se chamava pagode, o nome do evento era pagode e o samba gravado pela Beth Carvalho desse disco De Pé no Chão pra frente, possui uma sonoridade TOTALMENTE diferente, dos sambinhas mais lentos do Cartola e Nelson Cavaquinho.

As principais diferenças é #1 a não utilização de microfones para cada instrumento, De Pé no Chão foi gravado no meio de um pagode, e o conta com som de gente rindo no meio, gargalhadas, gritos e toda um aura que trás um ar mais "raíz" do que uma gravação de estúdio normal. #2 Muito mais instrumentos e inovações como o repique de mão, banjo com afinação com afinação de cavaquinho e o tantã.  Instrumentos que viraram símbolo do samba, especificamente desse tipo de samba do Cacíque de Ramos:


https://i.scdn.co/image/ab67616d00001e0206a2e8014cec5dca76d8261b
Todos os instrumentos citados estão nessa capa


A #3 diferença é um som mais intenso, mais rápido e com o clima de trazer uma avenida de samba para dentro do disco. Essa inovações do De Pé no Chão colocou o ritmo do povão para dentro das gravadoras, e também o álbum deu voz a sensação de insastifação geral com a morosidade que o samba passava.

Sabe a importância que Sobrevivendo ao Inferno tem para o rap nacional? De Pé no Chão possui a mesma importância para o samba.

Esse disco estourou pra caralho, vendendo meio milhão de cópias e colocando novamente o samba carioca em destaque Brasil a fora.

É praticamente um manifesto sambista por um ritmo mais popular novamente e menos elitizado como a bossa nova tornou, muitas músicas fazem alusão a morte do samba ou alusão a tempos melhores, como Goiabada Cascão, a melacólica mensagem de esperança de Agoniza, Mas Não Morre que fecha o álbum e a diretassa Visual, que poupa comentários. 

Depois que o visual virou quesito
Na concepção desses sambeiros
O samba perdeu a sua pujança
Ao curvar-se à circunstância
Imposta pelo dinheiro
E o samba que nasceu menino pobre
Agora se veste de nobre
No desfile principal
Onde o mercenarismo
Impõe a sua gana
E o sambista que não tem grana
Não brinca mais o carnaval

Ai que saudade que eu tenho
Das fantasias de cetim
O samba agora é luxo importado
Organdi, alta costura
Com luxuosos bordados
E o sambista
Que mal ganha pra viver
Até mesmo o desfile
Lhe tiraram o prazer de ver

Assim que ouvir novamente, irei fazer uma resenha completa de todas as letras e mais contextos sociais sobre. O importante é estabelecer que, é um novo polo do samba, o Cacíque de Ramos, assim como nos anos 60 era o Zicartola.

A diferença do estilo de samba é muito gritante, uma simples comparação com a própria Beth Carvalho, basta ouvir a versão original de Andança (1969) e a versão regravada após o Cacique de Ramos (1979).

Desse simples bloco da Olaria  saíram os principais sambistas do país que estouraram como Jovelina Pérola Negra, Marquinho Satã e o super grupo de samba que influenciou todo o pagode dos anos 90, Fundo de Quintal.

Isso para não mencionar os ex fundo de quintal que estouraram em carreiras solo, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Sombrinha, Almir Guineto e tanta gente...  Inclusive é do Fundo de Quintal que o Zeca Pagodinho tem o seu primeiro samba gravado, lá em 1981, pelo segundo disco do Fundo de Quintal, o nome da composição é Armaguras:

Segundo o próprio Zeca, o seu nome foi devido a um bloco que ele participava com seus primos, de quando era moleque lá em Del Castilho (RJ) que era conhecido como Ala do Pagodinho sendo conhecido no bairro desse jeito, já tinha o Zeca e juntou os dois apelidos formando seu nome artístico e assinando sua primeira composição dessa forma. 

Só pra encerrar o tópico sobre o Zeca Pagodinho, ele só foi estrear como cantor lá pra 1983 bem discreto em Suor do Rosto na faixa Camarão que Dorme a Onda Leva da Beth Carvalho, mas foi cantar mesmo lá pra 1985 com o álbum compilação Raça Brasileira, que além dele contava com Elaine Machado, Jovelina Pérola Negra, Mauro Diniz e Pedrinho da Flor.

♪ O pagode não surgiu no Rio de Janeiro

Os morenos

O Grupo Fundo de Quintal e seus sambistas que seguiram carreira solo adotaram durante os anos 80 uma linha mais romântica da coisa, as músicas tinham menos cunho sociológico e passavam a ter um clima mais romântico, que foi o que imperou no samba dos anos 80, o melhor é Ontem do Jorge Aragão que tem um puta climinha de pagode, só lembrar que sambistas muito melosos fizeram sucesso justamente nessa época, como o Emílio Santiago e Agepê.

Pois bem, a terminologia pagode para se referir a esse tipo de samba mais romântico, só passou a existir depois dos anos 90, eu diria que tudo começa mesmo com o primeiro disco do Só Pra Contrair, o grupo de pagode mineiro de Uberlândia, lá pra 1993, com aquele disco que vendeu pra caralho e botou o pagode introduzido no mercado fonográfico. Apesar de ter o estilo do Fundo de Quintal como inspiração, o som era muito diferente, até nos instrumentos porque tinha sax, tinha teclado e outras firulas que beiram quase um neo-soul ou R&B. BEM mais melodrámatico. Só ouvir Que Se Chama Amor.

Aliás, se for para analisar friamente, todas os grandes grupos de pagode dos anos 90 possuíam uma coisa em um, não eram do Rio de Janeiro. Todos que vou citar são paulistas: Karametade, Katinlegue, Soweto, Art Popular, Salgadinho, Negritude Júnior e acredito que o famoso Boka Loka também.

Nisso chegamos no Exaltasamba, que foi fundado em 1982 lá em Sâo Bernado do Campo, beeeeeeeem antes da ideia geral de pagode existir, inclusive no começo da carreira era um tipo de banda cover de Jovelina Pérola Negra (que era do Cacíque de Ramos).

Ou seja, o Exaltasamba TOCAVA samba, até ir se formando como um grupo de pagode nos anos 90, precisamente com o lançamento do álbum Eterno Amanhecer, que foi o debut do grupo, já nenhum de seus integrantes originais. 


♪ Conclusão
O pagode é uma derivação paulista do samba dos pagodes (evento) lá do Cacíque de Ramos, especialmente o grupo Fundo de Quintal e seus ex integrantes (Almir Guineto, Arlindo Cruz, Jorge Aragão e etc).

O Exaltasamba foi fundado em 1982 como uma "banda cover" de Jovelina Pérola Negra, virando uma banda de pagode só 10 anos depois. Já o Zeca Pagodinho sempre foi sambista desde de menino, justamente na sua época de menino por participar da Ala do Pagodinho em seu bairro, ganhou o apelido. 

Mistério resolvido, para mais grande questões da humanidade, continue acompanhando o querido Blog Marginália 3...

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