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Esse tópico VAI ALÉM de falar do Killmonger. |
Pantera Negra (2018) é talvez o filme de herói, de boneco, mais aclamado da história da indústria do cinema, a sua recepção foi algo anormal, e de fato, só teve a recepção que teve pelas condições anormais da indústria do cinema. A crise de imagem que o Oscar de 2016 gerou para Hollywood, com isso a premiação e a indústria como um todo decidiu por dar mais espaços a obras "menos brancas". Aliás não é o único filme que tem prestígio por esses motivos. Segura o ponto aí.
Outra condição anormal é toda a recepção positiva do MCU com o público geral e até parte da crítica especializada. Só ver como a percepção agora é de que a Marvel lança filmes horríveis, mas na verdade, talvez a qualidade sempre foi essa. Em outras palavras, Pantera Negra é um filme tão ruim quanto Doutor Estranho 2,
inclusive pela qualidade do CGI que é sofrida. só que a condições para seu lançamento são diferentes: Um filme é lançado durante o auge do MCU e o outro é durante a crise.
Quer dizer que a crítica está mais ancorada no momento histórico do que os elementos do filme propriamente dito? É claro que sim! Seja para avaliar o filme positivamente ou negativamente. Além do que filmes considerados horríveis na época de seu lançamento, hoje em dia são clássico inquestionáveis. Blade Runner é o melhor exemplo, quando saiu nos cinemas quase deu prejuízo ao estúdio e hoje em dia está no top 5 de muita gente.
Além desses pontos, que é necessário analisar desse filme, eu acabei de rever-lo para confirmar ou refutar algumas teorias, como que gostaram disso à época?
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Genuina reação |
Eu entendo a boa recepção que teve na comunidade negra, porém ele foi recebido de forma acrítica, pois curiosamente um filme de "representatividade negra" vilaniza ativistas de movimentos negros, como assim? É esse filme que mostra a cultura negra nos cinemas?
Existem várias problemáticas presentes em Pantera Negra, é um filme covarde, é um filme que não explica sua história porque iria cair em RACISMO, e não uma crítica ao racismo, mas sim uma conivência, possívelmente a discriminação seria uma das força motriz do roteiro, mas calma lá, vou explicar tudinho. A sua representatividade é apenas estética, porque a mensagem do filme é um ataque a lideranças negras. Só podendo chegar na seguinte conclusão: O FILME NÃO É ANTI-RACISTA, muito pelo contrário.
Nessa postagem, que vai ser vídeo também, irei analisar as condições anormais de seu lançamento, sua importância artificial, o filme e comparação com os quadrinhos.
Uma excelente leitura e Wakanda Forever é o meu ovo.
✮Nota rápida: "Ai é só um filme heroizinho, não é tese de TCC"De fato, existem filmes só com uma camada de interpretação, que é a do consumo. Alguns filmes se propõem apenas a te divertir no cinema ou na sala de casa e serem esquecidos a partir do momento que a tela fica preta novamente, já outros filmes se tentam parecer mega complicados e ser alvo de debates com a sua rodinha cinéfila por horas. Pantera Negra e boa parte dos filmes da Marvel são do primeiro tipo, pórem... Isso não retira qualquer analise ou discussão a cerca do filme, especialmente por se emaranhar com questões sociais que são difíceis de esquivar. Além do mais que nenhuma obra merece ser menosprezada exclusivamente pelo seu gênero.
Toda mídia passa uma mensagem política ou agenda, um filme de herói pode ser uma propanga fodida para o exército do Estados Unidos da América, evidenciar isso não é querer exigir que o filme fosse "mais complexo", o cinema é alvo de disputa política, assim como os quadrinhos já foram também. Filmes comunicam pelo o que falam e pelo o que omitem, é sobre tratar como um objeto de análise e seus efeitos de reverberação. Independente das camadas de interpretações intencionais oferecidas.
Não é sobre levar um filme de herói a sério, mas sobre entender a geringonça social que ele está embutido durante sua época de lançamento, além de produzir um olhar crítico sobre uma coisa que passou batido para a maioria das pessoas. Todo debate, análise, resenha desde que honesto é válido.
Assim o papo de "ai é só pra se divertir" não cola.
✮#OscarsSoWhite, a infâmia cerimônia de 2016. |
Todos os indicados para o prêmio de melhor ator |
No ano de 2016 foi a gota d'água da relação da comunidade não-branca, especialmente a negra e o Oscar, nessa edição do prêmio todos os indicados ao prêmio de melhor ator e atriz eram brancos, TODOS, religiosamente todos os indicados, aliás foi nesse ano que o DiCaprio ganhou depois de ser macetado gostoso por um urso em O Regresso (2015) e Brie Larson, ela mesmo que viveu a Capitão Marvel, ganhou por o Quarto de Jack (2015).
Filmes que tem a carinha de Oscar sequer foram indicados, que é o caso de Creed (apenas uma indicação AO STALLONE como melhor ator coadjuvante) e Straight Outta Compton (apenas uma indicação de melhor roteiro original), que conta a história do icônico grupo de rap N.W.A. Devido a isso, houve boicote de figuras negras queridinhas de Hollywood, que levantaram a hastag #OscarsSoWhite e trouxe o debate a tona.
Muito em função da pressão exercida por figuras como Spike Lee e Jada Pinkett Smith, que conduziram a campanha #OscarsSoWhite a outro patamar, mudanças com o intuito de promover uma renovação no quadro de membros da Academia foram anunciadas nas últimas semanas, mas os gritos por boicote ainda ecoam, com promessas de marchas em diversas cidades americanas, incluindo Los Angeles, sede da festa, e enorme expectativa pela atuação de Chris Rock, apresentador desta edição. Fonte: https://www.b9.com.br/63406/oscar-2016-entre-o-retrocesso-e-o-regresso/
A treta é anterior, na premiação do ano anterior (2015), filmes como Selma (2014) que narra um embate do Martin Luther King Jr pelo direito ao voto no Alabama ficou de xereca ao sair do Oscar de 2015 de mãos limpas e miseras duas indicações. O filme é dirigido por uma ativista que também interpreta uma das protagonistas do filme, a Ava DuVernay sequer recebeu indicação de melhor diretor. O que gerou pressão de grupos e artistas negros sobre a premiação. Acrescido ao fato de pouquíssimos atores negros já terem sido premiados ou poucos indicados. Fazendo o recorte das mulheres, as ganhadoras possuem algo questionável em comum, todas de melhor atriz coadjuvante, as mais recentes.
A raiz do problema, no entanto, segue carente de solução. Faltam, na indústria, papéis e oportunidades que correspondam à variedade de posições ocupadas por não-brancos em todos os segmentos da sociedade. É alarmante notar, por exemplo, que as três últimas atrizes negras premiadas (Lupita Nyong’o, Octavia Spencer e Mo’Nique) venceram por papéis que podem ser resumidos, nesta ordem, como escrava (“12 Anos de Escravidão”), empregada doméstica (“Histórias Cruzadas”) e mãe abusiva (“Preciosa”). Fonte: https://www.b9.com.br/63406/oscar-2016-entre-o-retrocesso-e-o-regresso/
A categoria de melhor ator/atriz coadjuvante é a que conta mais ganhadores negros do Oscar, aliás é dessa categoria que ganha a primeira pessoa negra, Hattie McDaniel que faz a empregada de E o Vento Levou... lá de 1940, um papel questionavelmente racista. Junto a ela, até 2016 haviam ganhado mais cinco outras mulheres negras. De 2016 pra cá tivermos mais quatro ganhadoras.
Do lado dos homens quatro atores negros já haviam ganhado na categoria de melhor ator coadjuvante e de lá pra cá tiveram mais três vencedores. Um diretor negro, até o dia de hoje, nunca ganhou o prêmio*.
Na categoria de melhor filme, o único produto produzido por um diretor negro que foi ganhador do Oscar é justamente... 12 Anos de Escravidão, que talvez tenha sido, até 2016, o filme negro-orientado mais reconhecido pela academia. Seja com indicações (9) seja com prêmios (2). Para além da escassez de prêmios, a escassez de indicações também é algo que atingiu seu limite em 2016.
*Cabe fazer uma side note sobre o prêmio de melhor diretor, é uma premiação que sempre seguiu na contra-mão de tudo que venho apontando, desde que uma mulher ganhou pela primeira vez em 2009, Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror, o prêmio saiu completamente da mão de homens brancos, especialmente americanos. É verdade que é comum diretores "estrangeiros" ganharem o prêmio, mas de 2009 até 2020 foi bem diferente: Veja os ganhadores
(ano do filme, não da cerimonia) 2010 - Tom Hooper (homem branco britânico);
2011 Michel Hazanavicius (homem branco francês);
2012 - Ang Lee (chinês);
2013 e 2018 - Alfonso Cuaron (mexicano);
O Ajelandro Inarritu também mexicano ganhou por dois anos seguidos, 2014 e 2015;
Damien Chazelle é americano, na verdade franco-americano ganhou por La La Land em 2016
2017 Guillermo Del Toro
E o queridinho de todos, Bong Joon Ho em 2019, porra... Que sequencia.
Vale mencionar que duas mulheres ganharam seguidas e o Nolan ganhou esse ano, por Oppenheimer.
Exposto isso, é claro que a polêmica da premiação específica de 2016 gerou grande repercussão midíatica, o efeito mais imediato foi a popularização do termo Whitewashing (limpeza branca em uma tradução livre), que questionou o funcionamento de hollywood, pela ausência de figuras negras, latinas e asiáticas nas grandes produções, e aquelas produções que possuiam essas características carentes da indústria, não recebiam o devido reconhecimento.
Em números a cobertura da Hastag #OscarsSoWhite pelos principais meios de mídia do EUA:
Esse artigo completo fala sob o viés de análise midiática dos efeitos do movimento contra o
whitewashing do Oscar. A pressão feita nas redes sociais e os boicotes presenciais a cerimônia refletiu na academia, que prometeu mais inclusão nas indicações e prêmios. Em comunicado oficial disse o presidente da Academia organizadora do Oscar, que é uma mulher negra, a Cheryl Boone (tradução feita por mim):
Eu gostaria de reconher o trabalho maravilhoso dos indicados este ano. Nos celebramos conquistas extraordinárias, eu estou ao mesmo tempo de coração partido e frustada com a falta de inclusão. Essa é uma conversa díficil, mas importante, e é tempo para grandes mudanças. A Academia está tomando passos drásticos para alterar a formação do nossos membros (votantes para os ganhadores nota do tradutor, eu). Nos próximos dias e semanas nós iremos conduzir uma revisão do nosso recrutamento de membros, no sentido de trazer a diversidade necessária em nossa turma de 2016 e além.
Pois bem, a mudança veio. Já na próxima premiação...
✮La La Land... Ops, Moonlight! Oscar de 2017
O ponto que vou falar é sensível e pode dá a entender um discurso reacionário de "ah só ganhou por causa da lacração", o que não é verdade, o Oscar nunca foi sobre mérito e nunca decidiu o que é bom ou ruim na história do cinema.
Porra, o Ang Lee tem dois Oscar de melhor diretor, o Scorsese só tem um, existe alguém que prefira o Ang Lee do que o Scorsese? Tipo ninguém, isso nem é um ponto polêmico. Agora por causa disso o Ang Lee não mereceu os dois prêmios? Claro que não.
A questão é que para ser ganhador do Oscar, existem muitas variavéis externas que influenciam a premiação, assim como o bom momento do estúdio ou do diretor vai influenciar a crítica sobre um filme, é justamente o caso de Pantera Negra ser considerado um filme bom, a Marvel que estava em um momento bom.
Então apresentar um panorama histórico que levou Moonlight (e não só ele) ser campeão de melhor filme não reduz a sua qualidade e nem o menospreza, mas é necessário entender o que se passava na indústria. Esses panoramas asterísticos valem literalmente pra TODOS os vencedores do prêmio de melhor filme, cada um comunica uma coisa diferente, ou se estabelece em seu próprio espaço tempo, aqui eu estou analisando Moonlight e os dois oscars seguintes pelo recorte que fiz de 2016 pra cá. O momento histórico da indústria do cinema de 2016 pra cá, apenas isso.
Pois bem, depois de todo o apresentado e até admitido pela Presidente, o Oscar precisava limpar sua imagem pública de uma academia "SoWhite", primeiro efeito imediatado? Moonlight ganha o prêmio de melhor filme e mais, consegue OITO indicações, um número impossível em condições anteriores, ainda levou pra casa mais dois Oscars, melhor ator Coadjuvante e melhor roteiro adaptado.
O filme também foi bem recebido pela crítica especializada, garantindo incríveis 98% No Rotten Tomatos e 99 no Metacritic, foi o filme que catapultou a A24 (ESSA PRAGA) no meio da indústria. Mais do que um bom filme, é uma tentativa clara de limpeza de reputação do whitewashing que o Oscar sofria, em condições pré-2016 com toda certeza Moonlight passaria desapercebido pelas grandes premiações ou sequer ganharia indicações. É o caso de Selma, Creed, e Straight Outta Compton.
Nunca assisti Moonlight, mas a recepção desse filme com outros também dirigido e atuado por pessoas negras é gritante, que só pode ser sacramentado devido a clara tentativa de limpeza de reputação da Academia do Oscar. Fato. É mais uma junção da fome com a vontade de comer, obras protagonizadas por pessoas negras passaram a finalmente ser reconhecida, aliada ao fato que o Oscar continua se mantendo relevante e apagando sua história de racismo.
Moonlight também abriu para que outras produções negras surgissem, há um aumento consideravél de protagonistas negros, filmes sobre negritude ou diretores negros desde do Oscar de 2017. Ou melhor, há uma BOA VONTADE maior com essas produções.
O embalo de pessoas negras vencedoras e indicadas ao Oscar foi gigante, veja os anos seguintes:
✮Oscar de 2018. Jordan Peele vencedor de melhor roteiro original.
Corra! é talvez, pelo menos da história recente, o filme premiado que mais enfia o dedo na ferida do racismo, recebeu quatro indicações, inclusive de melhor filme naquele ano e foi vencedor com melhor roteiro original. O filme foi muito bem aclamado pela crítica e pelo público, já sendo considerado um classico instantaneo do terror.
Incríveis 98% no Rotten Tomatos e 85 no Metacritic, lembrando que o ganhador de melhor filme é aquele filmaço do Del Toro (ganhador de melhor diretor) A forma da Água, e também vinha forte Três Anúncios Para um Crime que ficou só com melhor atriz, no terceiro Oscar da Frances McDormand, realmente díficil pro Jordan Peele ganhar melhor filme esse ano, especialmente por ser um filme de terror, que nunca é bem premiado pela academia.
Aliás um filme de terror ter tantas indicações é uma condição anormal.
✮Oscar de 2019. Marvel decide participar da brincadeira e o polêmico vencedor, Green Book...
Por fim chegamos no ano do Pantera Negra, a Marvel também decide entrar nesse jogo de filmes negros com Pantera Negra, aliás tiveram muitos filmes de pessoas negras concorrendo esse ano, concorriam de melhor filme Pantera Negra, Infiltrados na Klan e Green Book, ai o Green Book. além de Roma do Alfonso Cuaron (QUE DEVERIA TER GANHADO DE MELHOR FILME), que narra a história de uma doméstica mexicana, uña baita pelicula, como dizem os falantes de portunhol.
Que anos pro cinema foi 2018, pra Greenbook ganhar, sinceramente.
Dessa vez a opinião pública sobre um filme não acompanhou o entendimento da maioria, ainda bem porque pelo hype corria o risco de Pantera Negra ser vencedor de melhor filme. Green Book em comparação com os outros dois filmes que usei de exemplo aqui, é o pior recebido pela crítica, 77% pelo Rotten Tomatos e míseros 69 pontos no Metacritic. Eu acompanhei todo o Oscar de 2019, ninguém esperava que esse filme fosse campeão, corria por for e tava longe de ser o favorito. O filme teve cinco indicações e levou três estatuetas pra casa, além de melhor filme, ganhou melhor ator Coadjuvante e melhor Roteiro Original.
A premiação de Green Book de melhor filme pra mim é a maior evidência desse movimento que não foi percebido na época, premiar obras que falassem sobre racismo, negritude e entre outros, apesar de ter outro dois filmes na mesma pegada, Infiltrado da Klan não faz muito o tipo de Hollywood (que tem um TESÃO em Cinebiografias, Green Book é cinebiografia) e Pantera Negra é filme de herói, nunca ganhar vai oscar de melhor filme na vida. A vontade do Oscar acabou por premiar uns dos filmes menos falados ou conhecido no ano, o que gerou cara feia em muitas pessoas, inclusive eu, que estava crente que Roma ganharia, ou pelo menos A Favorita, que é outro filmão.
Por outro lado, só de Bohemian Rhapsody ter perdido, fez minha madrugada. Estava torcendo contra eles.
Infiltrados na Klan (96% no RottenTomatos e 83 no Metacritic) foi um filme muito bem recepido e falado, mas acabou entregando menos do que projetavam, não é atoa, 2018 teve muito filme bom e fortes ao Oscar. Sua única estatueta foi o de melhor roteiro adaptado para o Spike Lee (seu único Oscar) e outras quatro indicações que não dava pra ganhar mesmo. Um filme tão ácido politicamente chegou até longe demais, outro que em condições normais, não receberia tantas indicações.
E daí vem Pantera Negra, na mesma pegada dos outros filmes, havia uma boa vontade absurda e uma sede com produções negras. De todos, é que tem o elenco mais preto (quase 100%) e tenta passar algo mais africanista, e afins. Sua recepção foi meteórica, incríveis 96% no Rotten Tomatos, é o filme de herói com maior avaliação na plataforma e 88 pontos no Metacritic, todo o marketing também foi bem sucedido, com o icônico clipe de rap
King Dead que virou hit assim que saiu. Se aproveitando do ápice da indústria do hip-hop, que foi justamente em 2017/2018.
Tem o meme também da parte do future do " La Di Da Di Da slob my knob" cantado de forma um tanto quanto diferente, que para muitos estragou a música. Memes também contam histórias.
Pantera Negra fez história ao ser o primeiro filme de herói a ser indicado a melhor filme e mais 6 outras indicações, além de sair vitorioso em três categorias técnicas, Maquiagem, direção de arte e essas coisas.
Só que esse bonde da boa vontade acabou passando um filme extramente problemático, com representatividade vazia e apenas algo bonito para vende boneco do T'Challa, o Kevin Fegie o chefão da Marvel conseguiu emplacar um filmezinho de heroi no meio de tantas outras boas produções. E foi algo inquestionável. É puro oportunismo da Marvel.
O oportunismo é tamanho, que eles charama para fazer o filme o diretor e roterista de Creed, justamente um dos filmes alvo da polêmica do Oscar de 2016, não é coincidência tentar emplacar alguém que foi central nos debates do Oscar de 2016.
E a Marvel tava muito na vontade de fazer algo de negão, todo o marketing do filme foi sobre isso, como sendo algo inovador, jamais nunca visto, diverso e outras qualidades positivas impostas pela mídia. Até com ensaios fotográficos do Michael B Jordan se vestindo do Pantera Negra, o partido político e também sendo capa da revista britânica. Durante o lançamento do filme. E
com entrevistas saudando o partido.
O primeiro poster oficial do filme fazia referência a uma clássica foto do Huey Newton. A intenção da Marvel é EVIDENTE.
Em outros termos, Pantera Negra só foi 1º Produzido e 2º Bem recebido por causa de todo o contexto da necessidade de produções mais negras, porém em nada tem a acrescentar e o pior, passa uma mensagem contrária das outras produções. Pantera Negra teve uma recepção acrítica, da qual passo a fazer agora.
✮Um filme de qualidades vazias.
Antes que eu seja acusado de hater, o filme tem algumas valências, mas o suas qualidades são justamente seus defeitos, pois claramente houve ali um trabalho de pesquisa das culturas centro-africanas, é um dos poucos filmes que, apesar de se passar em um país fictício, tem uma África mais próxima, sabe de qual África está retrando, o centro da África por ali, que tem algumas culturas e costumes específicos e esses costumes estão bem representados, pelo menos visualmente.
Por essas valências que inquestionavelmente foi ganhador do Oscar nessas categorias técnicas, de verdade é muito gostoso ver algo africano sem ser estampa de oncinha. Visualmente, é quase vislumbrante e até animador ver algo que não se recorra a esteriotipos.
O casting tá perfeito, o filme só tem dois atores brancos, o Klaw (Garra Sônica em portugues), que é um dos piores papéis do Andy Serkis, graça a deus morre com meia hora do longa. Também tem o agente da CIA que tá meio perdido, propositalmente. Os atores negros são a elite dos atores negros da nova geração, Michael B Jordan, Chadwick Boseman, Lupita Nyong'o que não poderia faltar, Letita Wright, Daniel Kaluuya que são figurinhas carimbadas nessa leva de "filmes negros", alguns inclusive aparecem nos outros filmes citados. O elenco conta até com o experiente Forest Whitaker, que tá fazendo o básico ali.
Mas aí que pega, um cast riquíssimo, roterista de renome que já tinha sido bem sucedido com Creed, um trabalho de pesquisa das culturas africanas, mas aí bem o pontinho fraco e o mais grave de todos. O roteiro é uma porcaria, e me parece que a produção (Kevin Feige e afins) entrou em rota de colisão com a ideia original do diretor (Ryan Coolger) e passa uma ideia toda contrária. A representatividade passa a ser uma mera representação, há uma imagem, mas a imagem não comunica, exceto por suas omissões.
✮Killmonger não é um vilão cinza, ele é preto. Vilão cinza, ou moralidade cinza é um conceito atribuído a vilões que, apesarem de estarem errados possuem uma motivação nobre, ou estão naquela situação de vida devido a "escolhas ruins do passado". É o famoso passado do vilão que muitas pessoas passaram a julgar com menos rigor aquela pessoa, também tentativas de humanização do vilão.
O vilão cinza também joga essa luz cinzenta para a moralidade do herói em alguns casos, o melhor exemplo que me vem a mente é a Fera B'Wana nas primeiras edições do Homem Animal do Grant Morrison, que é um maníaco, cruel, violento, que porém só ataca instituições que fazem crueldade animal, então apesar de exagerado, ele tem um pouquinho de razão. E que valores o Homem Animal teria em lutar contra uma 'ativista' desses? Debati isso numa das primeiras postagens do blog, conheçam a história aqui.
Então além de necessário desmonstrar (ou não) porque o vilão não tem razão, é mais necessário ainda mostrar os valores do qual o expectador irá torcer pelo herói ganhar, do contrário o sentimento é de injustiça, ou que o verdadeiro vilão é o personagem principal atribuído como herói. Que pode ser sim uma alternativa/jeito diferente de contar história, mas vira um certo probleminha quando não é intencional.
Esse é o maior problema de Pantera Negra, o Killmonger não é um vilão cinza, ele é um vilão preto, com ideias comuns a ativistas do movimento negro.
Em outras palavras, a representação do Killmonger é de um ativista do movimento negro que acredita nos ideais de dispora africana, ou movimentos de volta a África e cooperação mútua entre seus irmãos da raça. A Marvel não conseguiu acinzentar o Killmonger, muito pelo contrário, o filme mostra ser REACIONÁRIO ao vilanizar um ativista do movimento negro, em um filme SUPOSTAMENTE focado em representar pessoas negras de forma positiva.
E o pior, o herói, Pantera Negra, é o sujeito que mata esse ativista, e segue sem discordar de uma única vírgula as ideias conservadoras de seu reinado. Pra piorar, voltou ao poder através de um regicídio.
Veja como é a história sem falar quem é herói e quem é vilão.
De um lado termos N'Jadaka ou Erik Killmonger, filho de um imigrante Africano que era da família real do seu país com uma americana, um país muito e desenvolvido no centro da África, porém escondido. Seu pai abandonou a família ao conhecer as injustiças praticadas no EUA contra pessoas negras, se tornando um militante, de militância armada mesmo, como é mostrada no começo do filme. Seu tio, rei desse país, considera o ato praticado por seu pai uma traição, mas traição de que? Dos valores, VALORES de não-interferência externa, assim coloca um espião na sua cola e em um fatídico dia de 1992, assassina o próprio irmão e deixa seu sobrinho de SANGUE, alguém da FAMÍLIA REAL, em Oakland, a mercê da própria sorte.
Ou seja, Wakanda abandona um wakadiano por discordâncias políticas e traição de valores conservadores daquele país, cujo a pena foi de morte.
Erik então vira um mercenário com o objetivo de vida de conhecer sua terra natal, que sequer o considerava mais como parte da família, apagando sua memória. Ao voltar para Wakanda, e por ser primo do rei, o desafia numa luta justa que desafia a coroa de Wakanda. Na luta, as condições para decidir o novo rei é a morte do atual ou rendenção.
Sem qualquer tipo de trapaça ou golpe baixo, vence o atual rei, que só não o mata (como era previsto no desafio) por interferência externa, derrotado, seu primo rei é jogado da cachoeira, sem chances alguma de reverter o resultado. Assim de forma LEGÍTIMA vira rei de Wakanda e tem a ideia, também justa de legítima de apenas enviar recursos para países vizinhos e grandes países colonizadores, com o objetivo apenas de oferecer resistencia a movimentos de libertação nacionais.
Antes de eu mencionar a trajetória do T'Challa, onde que oferecer armas e suprimentos representa uma ameaça a Wakanda? Ou fazer guerras? O filme é um tanto confuso ao mencionar se o Killmonger quer ou não invadir esses países, porém a julgar as aeronaves que ele lança em direção aos países, tem apenas suprimentos, que poderiam ser remédios, armas ou qualquer coisa que ajudasse na luta.
O filme não mostra nenhum PERIGO CONCRETO das ações ou ideais do Killmonger, eu não consigo visualizar o que de tão errado ele fez para ser considerado vilão. As únicas pessoas que ele mata durante o filme é um nazista (O Garra Sônica, Klaw, que realmente é nazista) e uma pessoa que INTERFERIU em um duelo HONESTO, além de ser o espião responsável (confesso) da morte do seu pai. A única "crueldade" é decidir queimar todas as plantas que dão força ao Pantera Negra, que não está exatamente encaixada na história. Fazem sentido também porque foi um Pantera Negra que assassinou seu pai, uma pessoa inocente que nunca atacou Wakanda ou colocou o reino em perigo, assim o ato de iconoclastia é até que bem vindo, apesar de não fazer muito sentido.
Mas esse cara, que apenas quer apoiar lutas negras mundo a fora, é vilanizado pelo o tempo inteiro. No sentido que "não agimos assim", "você vai destruir Wakanda" e frases similares.
Que tipo de mensagem Pantera Negra quer passar ao vilanizar militantes do movimento negro? E eu nem estou falando necessariamente linhas de esquerdas, já que o Killmonger possui certa similariedade também (em menor grau) com um certo nacionalismo negro, que é uma bem distante das linhas socialistas negras.
Ideologicamente, pode-se dizer que é um revolucionário genérico, e quem é o inimigo do revolucionário? O reacionário... QUEM FAZ O PAPEL DO REACIONÁRIO? O PROTAGONISTA DO FILME.
✮T'Challa é reacionário ou manipulado.
Acredito que mais do que alguém politcamente questionável, que é a ideia central do texto, é importante destacar que a família real de Wakanda possui uma moralidade no mínimo duvidosa, o que não é necessariamente um problema, porque o filme poderia ser o T'Challa lutando contra a própria família para se estabelecer e amadurecer de fato, o que teria bastante sentido por o filme ser sobre um príncipe que acaba de se tornar rei.
Fazendo justiça com o T'Challa, ele questiona o próprio pai em uma sessão espiritual, o T'Chaka dá um migué dizendo que não é perfeito e precisou tomar algumas decisões, famoso "as vezes acontece né".
O sujeito mata o irmão, abandona o sobrinho e só diz que ninguém é perfeito mesmo.
O roteiro evita avançar nessas questões, é uma falta tão grande de nuances que não fica muito claro porque aquilo que o nosso herói está fazendo é o certo, ou sequer o que ele estava fazendo. Uma grande amiga minha, que é fã de Game Of Thrones que se Pantera Negra fosse uma fantasia medieval, com toda certeza a família do trono seria uma família vilã, que está montando uma cama-de-gato para derrubar o Rei legítimo, que conta até com roubo de uma das plantinhas que dão força ao T'Challa, em um ataque equivalente a uma guerra civil.
Só que os suprimentos que estavam saindo de Wakanda eram uma ou duas aeronaves que um ÚNICO piloto conseguiu derrubar, será que o perigo era tão grande assim? Pra puxar aquela bagaceira toda? Talvez não.
O meu ponto nem é "duhh dava pra fazer diferente", mas o que tinha de tão grave que Wakanda ia ser destruída com isso?
Também não é uma tentativa de racionalizar o filme, mas há tão poucos elementos de convencimento de quem-é-quem, há uma remota possibilidade de ter sido uma jogada proposital dos criadores, mas a contra-gosto da produção. É um completo desarranjo.
Um filme receita de bolo de herói geralmente o "mocinho" age por impulso, por causa de um perigo que tá pra acontecer rapidamente, quando o Lex Luthor tá fazendo alguma maldade bilionário e o Superman tá ligado nos 220 para impedir de qualquer jeito, mas quando não há um perigo tão claro e iminente, algumas ações ficam despropositadas.
Nem apresenta algo clichê, nem apresenta algo necessariamente novo. O filme não resolve suas próprias problemáticas.
Não que um filme preciso necessariamente de heróis e vilões, grande parte das animações da pixar, especialmente as recentes, trabalham nessa linha mais cinza das coisas. Mas uma vez que existe estes dois elementos, é necessário um cuidado na história, porque uma vez que se vilaniza um grupo, a mensagem do filme pode ser problemática.
E tem um subtexto ainda pior. E essa parte é pelo não dito. Existe algo que só faz sentido para quem nunca leu os quadrinhos, os Wakadianos odeiam qualquer cultura externa a eles, o Killmonger é meio-americano e foi criado lá fora, então talvez o Killmonger não possa ser rei por ser mestiço, não é um Wakadiano legítimo.
Isso não é dito no filme, mas casa muito bem com o contexto da existência de Wakanda que existe nos quadrinhos, a grande lacuna para a rejeição mediata do Erik Killmonger abre espaço para esse tipo de interpretação.
Porque a porra do roteiro não é fechado, e ele não se fecha por não trabalhar nenhuma nuance ou contradição que possa acontecer durante o filme, produzindo uma história excessivamente linear.
✮Wakanda é um país europeu.
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"Dica número um: É um país da europa" - Tão, Faus |
A formação e política de Wakanda sempre me incomodaram bastante no filme, revendo depois de começar a pesquisa ficou mais evidente. O mito de origem de Wakanda é de que cinco tribos (povos na real né, mas o filme usa tribos) vivem em pé de guerra entre si, o tempo inteiro não conseguiam fazer as pazes. Daí um nobre guerreiro recebeu a benção da Deusa-Pantera Bast, que se declarou como rei e unificou os povos, acabando com a guerra, exceto pelo povo Jabari, que foi viver nas montanhas.
Não só essa historinha de mito de criação, como a ideologia por trás do governo (será o próximo tópico) são excessivamente eurocentristas, os moldes de reinado de Wakanda são mais próximos de uma aristocracia europeia do que os modelos de governo de impérios antigos em África. O processo de unificação é idêntica de alguns países europeus, especialmente todo o processo de unificação da Itália com o Rei Vitor Emmanuel II e da Alemanha, com o Otto Von Bismack.
Wakanda é um país escondido no centro da África, com o medo de ser invadido (coisa que nunca aconteceu) e ter ser recursos roubados, só que não, pois o filme mostra aquela nação como a mais rica e mais tecnológica do planeta! Então obviamente eles teriam meios de soberania suficientes para não serem pertubados e nem ter sua maior riqueza roubada, o Vibranium, que é o metal mais foda do planeta terra.
Sim. Wakanda é rica do MATERIAL MAIS RESISTENTE DO PLANETA TERRA e ainda assim possuem medo de invasão. Não faz sentido né?
Não mesmo, porque o filme se oculta em explicar um elemento fundamental de Wakanda nos quadrinhos, o sentimento de superioridade de Wakadianos perante o resto da população, inclusive dos povos que constituem Wakanda, no caso os outros quatro.
(COMO ASSIM?! Os motivos para isso são evidentes, que serão melhor explorado no próximo tópico)
Eu diria que existe um ode a tecnologia que beira o positivismo, o que seria talvez viajar demais, mas o importante é estabelecer o seguinte: O modelo de governo de Wakanda e o seu mito de fundação são oriundos de ideologias europeias do século 19, e outras aristocráticas mais anteriores. Nem burgueses-liberais são.
O que contradiz a mensagem de "representatividade" que o filme tenta passar.
Me incomoda muito o T'Challa do filme ser um rei mais próximo do Luís XVI do que o Mansa Musa.
O continente africano é um espaço com mais de 1,5 mil civilizações vivas, é um continente gigante, mais de 50 países, várias línguas e povos. Uma composição cultural bastante diferente dos micropaíses europeus. A África possui diferenças muito mais do que visuais, há filosofias/ideologias/concepções também próprias do continente, que seriam um prato cheio para incorporação do filme, mas não aparecem em nenhum momento. Porra, até Rei Leão usa uma pitadinha de filosofia africana (Ubuntu tá muito utilizado hoje, é verdade), Pantera Negra é zero.
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"Isso é viveeeeer, é aprendeeer" - Nelson Mandela |
Especialmente naqueles países mais brutalmente afetados pela colonização (Republica Democrática Congo, Angola, Camarões, Costa do Marfim, Ghana, Ruanda e dentre outros) há uma concepção da famosa 'mãe África', algo que caminhe para um panafricanismo (movimento real da segunda metade do século 20) e uma ideia mais cosmopolita entre os povos, ou seja, menos chauvinista ou patriótica.
Não atoa as lutas de libertação em África foram mútuas. A independência do Egito desencandeou a do Marrocos e Tunísia. Existia uma luta além da pátria, e sim um enfrentamento pelo mal comum que assolava o continente, a colonização.
Já dizia Tim Maia:
Em Guiné-Bissau
Não está legal
Muito menos na Rodésia
África do Sul
Pegue o sangue azul
Os ideais Wakadianos não são coerente nem com civilizações históricas da África antes da colonização, por exemplo seria maravilhoso representar mesmo de subtexto um Império de Gana, Mouro, o Reino da Núbia ou Mali, nem com os movimentos pós libertação, especialmente o Socialismo Africano emergente e principal corrente pós independencia. Não há nem o menor fragmento de figuras importantes como Kwame Nkrumah, os angolanos Agostinho Neto, Antônio Jacinto e Viriato da Cruz, Amílcar Cabral, e óbvio que não estariam presentes figuras bem mais radicias como Frantz Fanon e Aimé Césaire, que eram caribenhos, mas foram fundamentais nos processo de luta pela independencia da África. Pra mim, os principais nomes em leituras quando falamos de colonialismo.
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LEIAM FANON PELO AMOR DE DEEEEEEEUS |
Mesmo que o Socialismo africano não seja única corrente pós independencia, é bom salientar que o pensamento cosmopolita é parte fundamental do pensamento filosófico africano, especialmente dos países que serviram de inspiração a Wakanda e também são os países-mãe de boa parte dos ancestrais dos negros-americanos.
Só que essa inspiração, ao que parece, é meramente visual. Wakanda tem imagens africanas, mas não representam em nada o continente.
Definição do filosófo ganês Kwame Antonhy Appiah sobre cosmopolitismo:
Appiah aponta três noções a respeito do conceito de cidadania global importantes nessa filosofia: não pressupõe a existência de um governo mundial único, mas entende que todos somos parte de uma comunidade global, independente da comunidade política – um governo único acabaria com as diferenças entre os povos – sendo isso o que enriquece a vida humana; devemos nos importar com todas as comunidades e não somente com a nossa própria, pois o bem estar dos seres humanos é um problema de todos, por isso devemos aprender com outras comunidades distintas da nossa, ou seja, podemos utilizar o conhecimento de outras sociedades, não precisamos seguir somente as ideias da nossa própria comunidade; o valor do diálogo: com ele, o aprendizado se torna mais dinâmico, a troca se constitui mais intensa quando há o diálogo (a conversa), pois a escrita limita a resposta, a interação. Fonte: PENSATEMPOS, COSMOPOLITISMO E AFROPOLITANISMO: perspectivas híbridas do pensamento africano da Liana Dieperi Amorim
Pelas definições apresentadas em artigo, Wakanda é um inimigo do pensamento cosmopolita, por negar a universalidade entre os povos ou sequer se reconhecerem como africanos ou negros. Isso é dito expressamente no filme, só que quem fala isso é algum vilão? Não, é um dos líderes de Wakanda, que fazem parte da família real, o lado "bonzinho da história", como diz o artigo:
Os cosmopolitas possuem inimigos: os que negam a universalidade, que usam o argumento nacionalista para recusar o direito à universalidade a outras nações e culturas, como os direitos humanos, por exemplo; e os que negam a diferença, como os fundamentalistas, que desejam converter todo o mundo a sua fé, uma vez que o universalismo, para eles, significa uniformidade. (idem)
Essa tese da Liana Dieperi ainda trás a visão do Afropolitanismo do Achille Mbembe e o "Pensatempo" da Mia Couto, é um excelente artigo que não irei me discorrer mais por questões de economia do texto.
Daí pode surgir um questionamento válido de "Ah mas Wakanda nunca passou pelo colonialismo" o que reforça justamente o ponto de visão superior perante os outros países, Wakanda não tem "nada a ganhar" em termos de melhorar a nação ajudando seus países vizinhos, que são pobres e "atrasados", também não parece querer se misturar com outras culturas em geral, Wakanda Forever ganha contornos muito mais bizarros a partir desse entendimento do que um efeito símbolo de resistência.
A grande contradição de Pantera Negra é que ele não é símbolo de luta, muito pelo contrário...
Ainda sobre o "nacionalismo(s)" africano(s) recomendo leituras sobre:
✮A raíz de todo mal, fidelidade aos quadrinhos.
Pessoalmente, não faço tanta questão se o filme de herói em si possui similaridades ou não com os quadrinhos, adaptar é muito díficil, e até algumas obras criam personagens totalmente diferentes, mas atribuem um nome que já existe para evitar criar um personagem novo e dar mais dinheiro pra Marvel, ou a DC.
Também não acredito em erro artístico, não existe uma forma ERRADA de adaptar um personagem para qualquer mídia, seja quadrinhos, filmes, musical ou peça de teatro, existindo um projeto sólido, boa direção e os fatores que compõem um bom filme, o personagem pode ser diferente quanto for, se BEM feito, está valendo bastante. Adaptações podem ser distantes e ruins, fiéis e boas. Vice e versa e também do contrário.
Puxando da fidelidade, a série The Last Of Us (inclusive são dos mesmos criadores), que apresenta algumas diferenças pontuais em relação ao jogo, coisas que estão mais como uma melhoria, sem se afastar da obra original, a Ellie tá bem melhor na série, especialmente pela baita atuação que a Bella Ramsey tá entregando. Vocês lembram da bolha nerdola chorando horrores quando saiu o nome dela pro papel? Já era sinal que iria dar muito certo! Também dá pra citar um trabalho infinitamente melhor do Bill e Frank, que eram mais uma piadinha rápida no game. Que também foi alvo de um chororô histórico por parte da bolha mais fofa da internet. Entre outros fatores necessários para se colocar o conteúdo do jogo em formato de série.
Falando de heróis, O mal exemplo de adaptações que são fieis, mas ruins são qualquer coisa que o Zack Snyder meta a mão, muito fã service, muita cena identica aos quadrinhos, e quando vai se analisar os filmes... Meeeh pra ruuuim. Fora que aquilo que é inventado (o tom dark) envelheceu muito mal, como um copo de leite.
Existem casos que a produtora prefere propositalmente afastar a imagem dos quadrinhos com a do filme, para que se crie outra identidade ou outro público, o melhor caso é do Batman. Só ver quantos Batmans diferentes existem para as telonas, alguns filmes são bem aclamados já outros nem tanto.
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BAT-TETAAAS |
O Batman do cinema é estupidamente diferente do Batman dos quadrinhos, essa diferença das mídias é bem antiga. A galhofa do Batman do Adam West fez que o personagem dos quadrinhos dos anos 60 ficasse mais sério, ou mais detetive e menos homem vestido de morcego surfando com um palhaço, foi bem na fase do comecinho com o Denis O'Neal nas publicações do Bravo e o Audaz.
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típico Batman dos quadrinhos |
A relembrar que os quadrinhos dos anos 60 já não tinham o público infantil como foco mais, enquanto a televisão ainda tinha uma audiência infantil grande, era o tiktok daquela galera.
Tem também aqueles casos que inventam demais e não dá pra reconhecer o personagem, se tiver em um filme ruim então, Jared Leto que o diga. Aquele Coringa... De novo, não foi um erro artístico (de Design talvez), mas sim de execução. (O nome do erro se chama Zeca Snyder)
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"quem gozou isso?" x2 |
No que se encaixa o filme? Ele está muito próximo dos quadrinhos clássicos do Pantera Negra, e aí que mora o problema. Porque eram necessário ajustes pontuais.
O Pantera Negra original é uma ideia completamente datada, e trazer isso para 2018, vai acarretar os problemas que apontei no texto. Relembrando a história de criação do personagem:
Pantera Negra foi um personagem secundário criado pela famosa dupla Lee e Kirby para a issue 52 do Quarteto Fantástico lá em 1966, mesmo ano de fundação do Partido dos Panteras Negras lá em Oakland, California, destacando que o quadrinho sai em abril de 66, e o partido é pra novembro, bem depois. Ambos NÃO POSSUEM CORRELAÇÃO ENTRE SI. Até porque, o nome original do personagem possui uma conotação duvidosa, para não dizer racista de COAL TIGER, e esse era o primeiro design do personagem criado pela dupla.
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Honestamente, Coal Tiger soa racista. |
Destacando que ele está longe de ser o primeiro personagem negro dos quadrinhos, lá nos primórdios das tiras de jornal, o mágico Mandrake (1934) tinha como fiel escudeiro o Lothar, um africano. Porém é sim um dos primeiros, senão o primeiro a receber um destaque bacana e ser mais presente nos títulos principais, outro renomado herói negro da Marvel, Samuel Wilson o Falcão foi surgir lá pra 1969, três anos depois.
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Principe Lothar e o Mágico Mandrake |
Sua primeira apariação T'Challa aparece apenas como um barão/rei jovem exêntrico de um rico reino africano misterioso, que convida Reeds e sua tropa para vistar o país (Wakanda não é uma nação escondida), chegando naquelas bandas, o quarteto é atacado pelo Pantera Negra, que não tinha intenções acintosas, estava mais para uma espécie de teste para dar a eles uma missão, derrotar o Garra Sônica, o assassino de seu pai, T'Chaka.
Lembrando que o quadrinho, o que não é de se assustar, possui uma visão beeeeeeeem eurocentrica sobre a África, com um visual todo "tribal". Uma mistura de lanças com armas
Na edição seguinte, é contada a história de morte do T'Chaka e suas motivações, Wakanda é rico do metal fictício vibranium, e o Klaw (Garra Sônica) é um tipo de microcolonização que está tentando invadir e sequear as riquezas daquela terra.
Nessa há uma clara inspiração ao Mansa Musa, que foi o homem mais rico da história, a edição 53 é menos pior do que a primeira.
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apertar um que ninguém é de ferro |
Apesar dos apesares, o T'Challa não é ruim como personagem, só é muito alguém de seu tempo.
Os esteriotípos racistas não intencionais (acredito), pois estamos falando de 1966, não se tinha todo o debate racial ou possibilidade de conhecimento das filosofias africanas, boa parte dos países africanos que citei no texto ainda sequer tinham começado seus processos de independência, ou estavam no começo. Além da intencionalidade zero de trazer um personagem "representativo", Pantera Negra da forma que foi criado, pensando e incluído no universo Marvel não possuía esse papel de "representar" as pessoas negras nos quadrinhos. Até porque seu criadores eram dois homens de famílias judaícas ensocados no meio de Nova York.
Esse quadrinho do quarteto é até de certa forma ultrapassado, na primeira menção ao Pantera Negra o Coisa menciona dele ser um refugiado do filme do Tarzan em tom de piadinha. Os debates raciais e a filosofia africana pós movimentos de libertação já avançaram para além disso.
A Marvel até evitou politizar o personagem depois da fama que Os Panteras Negras ganharam EUA a fora, trocando provisoriamente o nome do personagem para "Leopardo Negro", não colou muito.
Os rumos mudaram quando o Pantera passou a sair em publicação individual pelo roteiro do Don McGregor, que foi uns dos pioneiros do conceito de graphic novel, uma das pioneiras é justamenta A Fúria da Pantera que já tem resenha no blog.
Não vou refazer uma análise de como é o Pantera Negra nessa saga, basta ler a postagem. Resumo dizendo que o T'Challa do McGregor é um personagem mais denso, que questiona a si mesmo o tempo inteiro e vive a sombra do pai, que foi um grande líder de Wakanda, sendo um rei ainda impopular e inseguro. Por outro lado termos o reflexo que um governo monarquico tem na idade moderna, a monarquia de Wakanda é algo altamente questionável, assim como o isolacionismo do país Africano, que beira a verdadeira xenofobia com qualquer pensamento ou pessoa que vem de fora.
T'Challa apesar de superherói é meio broxa, seu maior dilema é lidar com a confiança, e síndrome de impostor é muito comum a pessoas negras tá? Nesse ponto o McGregor acerta em cheio, por outro lado também Wakanda tá longe de ser um paraíso negro.
Sim! Wakanda não é um lugar de santinhos, só ver como a esposa americana de T'Challa é muito mal tratada por todo mundo, inclusive pessoas de dentro do reino! Como o filme foi baseado em todo esse cenário, dentro da hipótese apresentadas nos quadrinhos, pelo mesmo motivo o Killmonger seria odiado. Bingo, eis o problema do filme
O poder não é sequer mencionado, raça e poder são dois tópicos intimamente ligados, o debate vai além sobre preconceito de fato. O que não é necessariamente um problema, porém, quando você se apresenta como uma obra "necessária" por abordar questões políticas, seria bom pelo menos abordar elas.
O filme é baseado em um personagem de quadrinhos que precisam de nuances que não foram exploradas. Além de repetir mecanicamente coisas tanto quanto antiquadas, que não seriam alvos de crítica a época dos quadrinhos. Até haviam caminhos simples que pudessem resolver esse problema, mas a Marvel optou pelo o mais simplista possível.
Entregando um produto que se vende como uma coisa, mas na prática não entrega nada. É o puro oportunismo de surfar na onda de produções de empoderamento negro na época.
Cabe ressaltar que os quadrinhos possuem uma fase bem mais ousada politicamente, que é suas melhores histórias com o Christopher Priest, sobre isso declarou Ta-Nehisi Coates:
O autor best-seller do New York Times, Ta-Nehisi Coates, de quem você deve ter ouvido falar que agora tem sua própria série Pantera Negra, considera Priest como tendo “a clássica série de Pantera Negra, ponto final, e isso será verdade por muito tempo”.Embora ele seja talvez o principal pensador da América sobre raça, ou o escritor que muitos americanos procuram para ter pensamentos aguçados sobre raça, Coates não gasta muito tempo com raça em sua própria saga. No início de janeiro, ele disse ao Deadspin:“A questão sobre raça é, em última análise, apenas uma questão sobre poder, realmente é. É como os seres humanos se organizam em torno do poder, como o exploram, como o utilizam. Esse é o cerne da história em quadrinhos. … O cara está neste país mítico de Wakanda, onde todo mundo é negro. Então, obviamente, você não tem o mesmo contexto de raça. Mas certamente as questões de poder, de organização do poder, ainda estão lá.” Fonte
Para fechar o ponto, como adaptação, as inovações em trazer uma Wakanda afrofuturista foi um acerto, mas o personagem não foi devidamente atualizado, continuando sendo o mesmo T'Challa ora escrito pela visão branca. Especialmente quando o filme evita de abordar seus temas centrais.
Imagina se o Homem-Aranha é rico em um filme né, não tem sentido. Não é MCU...?
✮Conclusão.
Existiu na época de seu lançamento um famoso Pantera Negra hipotético, onde ele era representativo, inovador, quase revolucionário, tudo aquilo que a indústria precisava. O hype para sua chegada foi tão grande, que literalmente qualquer produto entregue seria recebido e muito bem recebido como foi. A Marvel prometeu tudo e entregou qualquer coisa, essa qualquer coisa acabou servindo para aquilo que foi prometido.
Quase um efeito placebo coletivo.
Até porque não importa se o filme tem uma mensagem ruim né? O importante é ter atores negros, a todo custo.
Acabei que nem comentei o CGI PÉSSIMO que esse filme tem, o que indica um sinal vermelho que houve
dedo do estúdio para apressar o lançamento, ou mudanças de roteiro, nunca saberemos. Fecho o tópico de um filme que não gostei, com sua pior cena.
Até a próxima parede de texto, fui!
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