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Eugenia, insetos e piruetas. Kamen Rider Black Vol. 1 (1987, Shotaro Ishinomori)


"JACARÉ, VÁ PRA CASA!"

Antes de mais nada cabe ressaltar que sou um completo ANALFABETO sobre mídias japonesas, aliás nem me amarro tanto, mas Kamen Rider sempre me chamou atenção. Então, caso eu cometa algum erro de definição, peço minhas sinceras desculpas.

Kamen Rider (1971) é uma série de televisão do estilo tokusatsu produzido pela Toei Company e criado pelo Shotaro Ishinomori, que fez o mangá de mesmo nome apenas um anos antes da série de TV (Ilha de Kaijuu saberá falar melhor do que eu), a premissa é simples, um boyzinho todo pimposo é sequestrado por uma organização nazista secreta para ter seu corpo modificado, virando um tipo de horrores além da compreensão humana ciborgue que se transforma em uma criatura superior e super habilidosa... Um gafanhoto. Ele foge do laboratório e passa todo seriado sendo perseguidos pelos Gorgoms (nome da organização). 


Pois bem, eu defini o primeiro Kamen Rider porque ele nortea os demais, em linhas gerais, todos os Kamen Riders tem uma premissa parecida. A série tem uma pegada um pouco até infantil, de ser um programão de tarde com piruetas e aquelas explosões muito falsas, caracteristica dos programas Tokusatsu, que no Brasil veio através da TV Manchete (Ultramen, Japsion, Lion man). Quem é jovem não vai lembrar desses citados kkkkkkkkkk.

UMA DÁDIVA NOS NINJAS
Tiveram outras versões, porém Kamen Rider Black (ou Black Kamen Rider no Brasil) ele tinha um tempero diferencial... Era uma série um pouco mais adulta e tratava de temas mais sérios, apesar da intencional galhofa das lutas. A dominação dos Gorgoms não era matar por matar, eles atacavam setores da cultura, da economia e da ciência também, fazendo que a organização gorgom fosse feita de artistas ressentidos, grandes coorporações e cientistas sem ética... Hummm isso me lembra um certo regime aí.
Sacou qual é? Black Kamen Rider trazia uns debates mais interessantes, mas ainda mantia a essência da porradaria desenfreada.


parece um entregador do ifood, mas é o salvador da humanidade


 E baseado nessa pegada mais séria, Shotaro Ishinomori resolve fazer sua versão de mangá, que é o resenhado hoje.

Eu não terminei a série (nem a TV Manchete terminou, já que não exibiram o último episódio) então não posso comentar melhor sobre ela. Talvez quando tiver mais tempo de assistir talvez traga pra cá.

O mangá saiu no Brasil só em 2021 pela editora New Pop, sendo compilado em 3 volumes. Comprei no site da própria editora.


E do que se trata Kamen Rider Black?
Resenha com spoilers
Visual,
Como rito padrão do Marginália 3, gostaria de fazer algumas pontuações da estética/estilo/traço do Shotaro Ishinomori, para um mangá (li poucos é verdade) ele é bem escuro, utilizando de técnias que lembram gravuras (?), aquelas do século 19, especificamente do Gustavo Doré (Paraíso Perdido). 


Se utilizando muito bem das sombras ou momentos de escuridão absoluta, o estilo é uma mescla entre momentos de realismo e momentos mais cartunizados, o que ajuda a quebrar o gelo, até porque se fosse um mangá todo realista seria tedioso, assim como os quadrinhos do Alex Ross, são bonitos, mas beleza não é nada na arte. 


Pegando logo uma das primeiras cenas de exemplo, se fosse um mangá mais colorido tipo Cavaleiros do Zodiáco, eles se encaixaria perfeitamente, só que mesmo utilizando esse traço mais "pop" a atmosfera criada quebra essa sensação de ser só mais uma história infanto-juvenil (e a classificação disso é 18 anos minha gente), o Shotaro Ishinomori consegue transmitir o horror sem precisar apelar para gore ou criaturas visualmente escrotas. Apesar de contar com cenas de sangue, é muitíssimo pouco comparado com outras produções focadas exclusivamente no terror, principalmente as japonesas.

Mais um exemplo, veja como essa página não precisa apelar em nada para criar uma atmosfera assustadora. É uma excelente utilização dos contrastes.
O morcegão (é o fantasma da opera) nem é tão feio de olhar, mas todo seu envolto e a fisgada que a narrativa te coloca... Rapaz, eu não queria topar com esse irmão em cristo as 8 da manhã, quem dirá a noite. 

Esse tom épico nas artes é bastante funcional nas cenas de ação e impecável nas cenas de terror. Sim tem cena de decapitação, gente derretendo e pelo envolvimento que o estilo causa você fica muito desconfortável, pelo menos eu me senti algumas vezes. Justamente pela pegada toda cartum bonitinho e do nada vem um cadáver todo detalhado no meio. 

Esse mangá é tão escuro que nas cenas que dá um clarão na página você sente uma flashbang do Cs 1.6 nos olhos. A arte é cativante a esse ponto

ler isso no mangá físico é espectacular

Por ser um intermédio de um mangá de ação e aventura com um mangá de terror, Shotaro é inteligente ao apresentar um traço que esteja mesclado entre os dois, fazendo que cada momento de "troca" da aventura pro terror ou do terror pra lutinha seja suave, ou até propositalmente desconfortável. Uma pitada de "apesar de você está se divertindo agora, preciso lembrar de quão cruel a vida parece as vezes".

Se a arte é cativante, o que dirá da narrativa. 
O mangá começa com um clássico cliché de protagonista pelado sem memória ou sem saber quem é (Exterminador do Futuro e Metal Gear Solid), no caso ele acorda em um beco de New York, enquanto está sendo perseguido por uma figura tanto quanto misteriosa.

 Paralelo a isso termos um grupo reporteres entrando no esgoto para procurar a famosa lenda do Jacaré no Esgoto de New York, que é uma lenda que realmente existe na realidade, tendo essa pegada meio Scooby-Doo de caçadores de mistérios, que permeia as 3 primeiras histórias. Onde teremos Jacaré do Esgoto em New York, Fantasma da Ópera em Paris e o Jack Estripador em Londres. Cumprindo a parte de aventura do mangá. 

Apostando na aparição misteriosa, vamos descobrindo aos poucos que ele foi vítima de uma alteração que o transforma numa monstruosidade. O Shotaro brinca bastante com o quanto nós sabemos da história, acredito que pouco se preocupou em explicar o que são os Gorgoms e coisa parecida pela série de Televisão já existir, por Kamen Rider já ser conceituado também, portanto eu acredito que pegar essa obra sem saber absolutamente nada do Kamen Rider não funciona tanto, pode parecer meio disperso, ou talvez funcione de maneira diferente.

O ritmo do mangá é frenético, pelo menos inicialmente, o volume 1 pode ser lido em uma boa sentada. São poucos textos corridos ou paredes de texto mais comuns nos quadrinhos que estou acostumado, conta com excelentes sequências de ação e até umas curiosas, como o (suposto) Jack Estripador sendo morto por causa de verduras gigantes. Então mesmo mantendo um clima mais sombrio, ainda é Kamen Rider e ainda é um tokusatsu, então aquela galhofinha na medida sempre é bem vinda. 

O alívio cômico fica por parte da dupla de reporteres Sam e Kate, que apesar de protagonistas são personagens secundários. Formando o trio que guia por toda história, Kotaro (Kamen Rider) é o cinegrafista.
São 7 capítulos, Nova Iorque, Paris, Paris-Londres, Londres, Quioto e Hubei (em duas partes), bem curtinhos. Eles são divididos por cidades conhecidas mundo a fora, cada lugar trabalhando a lenda urbana local, uma proposta simples que casa muito bem com o ideário de Kamen Rider, que são mutações genéticas monstruosas perseguindo o protagonista, que também é uma aberração genérica. Acredito que a proposta foi tentar alcançar um público mais intenacional (leia-se ocidente), não sei se aparecerá, mas pra mim fez falta lendas latinas, imagina o chupa-cabra ou o curupira no contexto de Kamen Rider, muito foda. 

Foi mais ou menos nessa época que aconteceu um "boom" dos mangás para o mercado internacional, muito responsável pelo Akira e Dragon Ball. Talvez o pensamento da gráfica (?) foi em alcançar públicos maiores do que o japão. 

Falando de cada arco específicamente, os três primeiros são de terror puro, o Kotaro Minami, nosso protagonista, está pelado com a mão no bolso, sem saber quem é ou onde estar. O primeiro em especial é o mais atmosférico, aquele clima de bicho-caçador atrás de uma equipe de repoteres no meio do esgoto de NY, sem ninguém saiba direito o que está acontecendo. 

O arco em Paris, sobre o fantasma da opera é o mais inteligente, e desmonstra o lado mais crítico da obra, quando mostra que o vilão está substituíndo obras dos museus parienses para colocar obras gorgons no lugar. O fascismo possuí um grande facínio pelo desenvolvimento, pela excelência também, de certa forma um regime fascista é o tempo inteiro a tentativa de soberania da excelência perante os considerado fracos. Esse é justamente o plano da organização vilã, os Gorgons, que assim como o seriado de televisão, vai atacando pelas estranhas, sem causar alardes, no oportunismo e sem setores de disputa política (ciencias e cultura). Falo disso um pouco melhor aqui no blog quando debato se a música atual está pior. 

Os Gorgoms acreditam que o determinismo da evolução significa que a raça humana precisa ser extinta para a sobreposição de uma nova raça superior, uma que tenha controle integral de seus genes, eugenia claríssima. Só que ao invés de tacarem uma bomba gigante no centro da cidade tentam a todo custo realizar o exterminio através do domínio de aspectos super estruturais, que na minha perspectiva é uma abordagem muito melhor elaborada do que partir para um personagem nazi caricato. É um ponto interessante e bem mais claro no seriado, até pela dinâmica e os episódios terem só 26 minutos.

O capítulo de Londres é o mais bizonho, que cenas pertubadoras de experimentos... "científicos", que nem preciso elaborar muito sobre. A sacada genial é que o Jack Estiprador da história não é revelado, ficando entre o doutor que análisa o Kotaro ou o Louva Deus assassino que está perseguindo. Tem outra sacada genial que é a menção o tempo inteiro da chegada do Louva-Deus, confundindo o leitor até de onde ele está exatamente, um suspense bem construído. 



Os três últimos capítulos se dedicam mais para explicar a história de fato, o ritmo frenético atrapalha em aprofundar as relações pessoais entre os personagens, tirando o peso de algumas ações como mortes de personagens. Já que os jornalistas sempre estão trabalhando e viajando, essas questões ficam por baixo. O drama não é lá essas coisas.

Por exemplo, Kotaro descobre que seu irmão Nobuhiko foi também sequestrado pelos Gorgoms, só que acontece tanta coisa ao mesmo tempo, que essa informação não tem o peso necessário. Esse sentimento de culpa e impotência é o drama pessoal melhor trabalhado, a todo momento ele se sente culpado por não ter salvo o irmão, apesar de meia hora atrás nem saber que ele existia. 

Tirando essa aparição de emoção nos persoangens, tudo é mais baseado no caos e no mal entendido na parte um pouco mais profunda de drama, o arco longo de hubei, os personagens não tem uma química de fato. Sim, tem um casalzinho água com açúcar que não convence tanto. Não que seja de se esperar. 

Curiosamente, diferente do seriado, os vilões de cada arco aparecem pouco, porque o barato deles é a mística sobre a sua existência ou aparição.  Também diferente da maioria dos protagonistas, Kotaro é alguém pouco determinado, perdido e um mero herói de ocasião, é vencendor graças a modificações feitas em seu corpo pelos Gorgons, mas sequer é capaz de controlar a besta que reside em seu corpo.
O seu sucesso na luta é apenas possível por algo que ele abomina em si mesmo, vivendo uma tragédia de só pode vencer se perder aquilo que está tentando conservar. Virar um gafanhoto mutante não é algo legal, ainda mais quando não se tem controle.

 É início da história, veremos o seu amadurecimento nos outros capítulos.

De qualquer maneira, esse perfil mais intropesctivo e solitário é marca registrada das histórias do Kamen Rider. Além do que volto a repetir: é um tokusatsu sobre um cara que vira um inseto, não dá pra cobrar um puta drama.

Em linhas gerais, Kamen Rider Black é uma ótima pedida para conhecer o universo dos mangás, uma vez que se utiliza de convenções narrativas mais comuns a histórias ocidentais, apesar da premissa simples, entrega um projeto que é capaz de debater temas muito sérios, cumprimento a ideia de ser black. Um tokusatsu maduro, sem a necessidade de apelar para o gore desenfreado ou piadinhas de sexo. Mesmo tendo como pé fraco o drama, mas nada de irá atrapalhar o andamento da história. 

Veremos o desfecho do mangá, somente aqui no Marginalia 3!

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