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Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

Ave Sangria (1974)


Informações legais:
1 de maio de 1974
12 músicas, 39 minutos
Gravações elétricas S/A
Rock psicodélico, MPB, prog rock que não é sonífero (talvez);

Ave Sangria é o álbum queridinho entre os usuários de last-fm no Brasil, um verdadeiro clássico cult no meio mais cabeça da música, será que sua fama vale o que tem no álbum? Conferimos.

O grupo pernambucano surge naquele período "entre-safra" (1969-1973) que a música brasileira passou depois que a dita mostrou suas unhas e a dura começou a bater no lombo com a repressão mais covarde, muitos artistas da recém formada MPB foram obrigados a se exilar, dos conhecidos talvez só a Elis Regina a Rita Lee que ficaram por aqui. Também com o fim dos festivais de Música Popular Brasileira, deu uma brecada naquela sensação de euforia de outros tempos. Mas pelo menos houve espaço para abertura dos olhos para campos menos conhecidos da indústria fonográfica, expandindo para além do eixo rio-são paulo. 

É nessa época que surge o Clube da Esquina e Rock Rural em Minas Gerais, os Novos Baianos e todo um breve movimento de psicodelia nordestina, Alceu Valença, Lula Cortes, Zé Ramalho, Lailson, Marconi Notaro e entre outros aí, do tempo que todos eram jovens, cabeludos e esquisitos. Como todo jovem deve ser.

por incrível que pareça, essa foto não é de uma universidade federal


Nem todos dessa época foram absorvidos pela indústria, outros caíram no esquecimento e também teve aqueles que foram sacaneados pelos militares, é o caso de Ave Sangria, que pouco menos de 2 meses do lançamento, teve o disco retirado das lojas e a censura caiu matando. A banda até que tinha potencial, voltaram a atividade em 2019, mais de 40 anos depois. 


O que tinha de tão bom nesse álbum para os militares pegarem para eles? A começa pela capa, acredito que tenha uma estética parecida com pinturas muito comuns em comércios locais. Esses frigorífico que tem um galo desenhado na parede, botecos, salões e lava jatos.

Falo isso pelas cores, pelo "fumacê", essas sombras mal posicionadas e a viagem de uma figura humana com asas. Essas pinturas fazem parte do nosso dia-a-dia, não foram feitas para serem apreciadas, é até funcional que só servem para anunciar o serviço daquele local. Curioso ser a estética de um álbum, onde tem títulos chamativos ou aquelas capas psicodélicas.


fonte: handpaintedbrazil

Não tem muito o que interpretar, nas palavras de seu próprio criador: "Desenhei uma mulher-ave bem gostosa, tipo a mulher do Príncipe Valente, com uma roupa vermelha longa, tipo medieval, mas com cabeça de uma águia feroz." (Fonte)

A capa chama atenção por sua futilidade, um amadorismo não no sentindo de mal feito, mas numa ideia de arte acessível. Que combina bastante com o som apresentado...

Porque assim que você aperta o play, sem maiores cerimônias, começa um zumbido agudo de um instrumento que não consigo identificar, dando corpo aos poucos a uma bela melodia acompanhada por violas e uma guitarra bem padrão de músicas psicodélicas, mas nada que seja exatamente rock ou coisa parecida. Aqui uma coisa sobre o disco Ave Sangria, como Moares Moreira disse quando estava descrevendo sobre Mistério do Planeta "Que ritmo é essa música? Nenhum" (parafraseando porque perdi essa entrevista), algo muito próprio que tem inspirações no próprio novos baianos, é sui generis em sua essência. 

Dois Navegantes conta com alguns "sopros" no meio da música, sendo uma misteriosa chegada, em um clima mais litoraneo, num balancê de uma jangada. Mesmo assim, a primeira metade do álbum não empolga tanto, segue um clima de cantorias, um pouco mais lento, mais abstrato e etéreo.

Com exceção de Três Margaridas que tem uma melodia belíssima e um bom jogo de instrumento de corda.

Com pelo menos três cordofones diferentes, as violas, guitarras ou violões são o ponto alto desse álbum, por entregar camadas de som e algo aconchegante mesmo com melodias simples e harmonias de fácil entendimento. Porque uma boa música não precisa ser necessariamente díficil de tocar, do mesmo jeito que a capa tem um visual de pintura artesanal, essa primeira metade do álbum me dá a sensação de músicos de rua, algo passional, algo relaxante e leve. Preciso pontuar sobre Três Margaridas que o Marco Polo não tem voz para subir pro agudo, mas parabéns pela tentativa. 

Mesmo assim o começo quanto devagar a virada de chave acontece com Cidade Grande, e daí saquei o storytelling da obra, o começo mais litoraneo mais lento é uma referência ao mar, algo mais lento, incompreensível (como as poesias de Momento na Praça e Lá Fora) chegando até mencionar os piratas, que deve ser a música mais conhecida, apesar de não ter me agradado tanto assim, deve ser a música mais diferente do resto do projeto. 

O album vai aumentando de ritmo paulatinamente até chegar de fato na Cidade Grande (sexta música do álbum) que evidencia a influência do Som Imaginário, contando inclusive com uma discreta participação de Zé Rodrix. Se me permitem o trocadilho, a partir da metade o som fica mais concreto, chegando de cara com badaladas e um som mais evidente da percussão/bateria inclusa. Cidade Grande versa sobre expansão territorial dessa máquina de moer gentes que chamamos de grandes centros urbanos. 

"Oi, mamãe, aqui estou eu
O seu filho ainda não morreu
Dizem até que ele nasceu outra vez"

Minha opinião pode ser enviesada, mas e aí... Chega Seu Waldir, a música que colaborou para a censura do álbum, porque Seu Waldir é uma canção ácida sobre um tipo de "declaração de amor" a um tal de Seu Waldir (alguém com nome de coroa), o governo deve ter entendido como uma apologia a homossexualidade, mas pode ser só uma grande ironia, uma música para um patrão filho da puta ou até alguém abertamente preconceituoso. Tem sua comicidade, tem sua crítica velada e um belo ritmo rasgado com esse instrumento ríspido arranhando o disco, boas batidas de tamborim também.

Outro musicão em sequência de xote com aquela mescla de música psicodélica, Hei Man é uma música que somatiza tudo que tivemos de bom no começo dos anos 70 e aqueles movimentos musicais que descrevi no começo do texto, poderia estar em Acabou Chorare, Clube da Esquina ou Passado, Presente & Futuro, mas Ave Sangria foi agraciada com esse som de guitarras (de qualquer tipo) embrasando, um batuque decente em tom de conselhos do eu lírico para esse outro "man". 

Por Que? Mantém a mesma pegada 'xoteada', depois um tema mais pesado com bastante barulho sobre tocar fogo na própria roupa, Corpo Em Chamas apesar de descrever um processo doloroso é uma música alegre, cheia de alegria, com bastantes Ie ie ie ie no refrão, é um constraste interessante mostrando o lado Rock'n'roll que Ave Sangria também pode apresentar. Com algumas modificações no som, mas mantendo a mesma letra poderia ser uma música punk, caso fosse lançado em língua inglesa. 

Citando a música inglesa, o álbum termina um prog sonífero embrasado à lá Emerson, Lake e Palmer, Sob o Sol de Satã guarda pra si toda a energia contida e feverscente no álbumque segue uma trilha incomum, ao começar devagar e terminar em seu ápice, sem letras ou poesias, apenas as pura música ecoando em nossos ouvidos. A guitarras ou as guitarras do Paulo Rafael e Ivson Wanderley são o de melhor possível, fazendo que Ave Sangria se consolide como clássico da música brasileira, especialmente nessa faixa aqui, logo a última. 

É um álbum que funciona de trás pra frente, começando de Sob o Sol de Satã também terá um storytelling diferente, uma pespectiva interessante. 

Em linhas gerais Ave Sangria brilha por sua simplicidade e leveza, trazendo um sol quente, mas com a brisa refrescante, carregando consigo a energia do sol de Recife, mas sem o cheiro de mijo que o centro daquele lugar tem. Apesar de suas manias setentistas, é um álbum que envelhece bem para as novas gerações, não atoa, mesmo depois da censura continua sendo um álbum bastante popular. 
Não ter um estilo definido ajuda a flutuar pelas gerações. 

O seu começo lento pode enganar quem não tiver paciência, mas ao seguir de suas canções te levam a uma bela viagem de quarenta minutos, muito bem gastos. 

Destaques: Três Margaridas, Corpo em Chamas, Seu Waldir e Cidade Grande. 

Informações chatas:
Baixo – Almir
Bateria – Israel Semente Proibida
Guitarra, Acoustic Guitar – Ivson Wanderley
Guitarra, Viola, Sintetizadores, Vocal – Paulo Raphael
Percussão – Juliano
Piano – Marcio Vip Augusto (tracks: A1, A5, B3)
Sintetizadores – Zé Rodrix (tracks: A6)
Vocais – Marco Polo

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