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Bem-vindes a Marginália 3

Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

Ame vilões, não anti-heróis pt. 2

ele é literalmente eu (ironia)

No texto anterior defini um processo que considero natural, saudavél e uma comunicação padrão - por mais que não goste dessa palavra - do público com as obras, ou do autor com as obras de certa maneira.

Só que há algumas produções mais ousadas que bagunçam com muito prazer os dilemas morais da nossa sociedade e as convenções narrativas, ao apresentar personagens com todos os traços e esteriotipias de vilões como protagonistas, mais do que vilões clássicos de quadrinhos, figuras que deveriam ser detestáveis, comentendo atrocidades e plenamente consciente disso. O mundo nerd gosta de chamar de "anti-heróis" outros de vilões cinzas, não gosto dessas nomeclaturas além de seus significados terem sidos totalmente abstraídos, ao ponto de não significar mais absolutamente nada, por isso, não vou me prender a elas aqui. Díficil até de dizer que foram abstraídos, duvido que tenham significado alguma coisa.

LEMBRANDO QUE:

Isso é um mero artigo de opinião baseado em experiencia anedótica, NÃO É um estudo de caso! E nem pretendo chegar a alguma conclusão de fato aqui. Pense por si mesmo e faça suas próprias críticas, aliás de preferencia discorde de mim.

Vou ser direto ao ponto, para traçar um padrão de análise de qual personagem está sendo debatido. Personagens como Rorschach do Watchmen, Walter White, Capitão Nascimento, Homelander, Coringa (de 2019), Travis Bickle (Taxi Driver, que é o Coringa original), o Patrick Bateman (psicopata americano) e as inúmeras séries de truecrime são um problema cultural? Elas não deveriam acontecer? Essecialmente não. Toda forma de expressão de cultura é válida, todo tipo de convenção narrativa também, digo mais ao trazer que quanto mais personagens fora da casinha (em questão de roteiro mesmo) melhor para o nosso cinema e cultura pop, as regras e glichés são melhores quando subvertidos... PORÉM, tais personagens correm um grande perigo: Serem aclamados, identificados por parte do público como heróis, e não é aquele tipo de afeicção que alguns vilões geram. Perpassando entre a audiência apenas como meros heróis, tendo fanbase, tendo torcida e algumas fotos de perfis meio vergonhosas

Ficando a pergunta no ar, a audiência é burra ou a obra é mal feita? O mundo geek ou algumas pessoas da crítica de cultura infelizmente adota a postura mais liberal em condenar o individuo que faz uma "interpretação errada" já que a dita inteção do autor foi X, então se você não entende X, tu é burro. Mas calma lá, 1º nem sempre as obras fornecem com clareza toda suas intenções, estando limitada por questões culturais, técnicas ou até ideológicas e 2º A partir do momento que a obra completa é publicada, toda interpretação a partir dela é válida*. A depender do contexto cultural e do momento de seu lançamento, ela significará uma coisa totalmente diferente e cada tempo histórico tratará aquela obra de uma maneira diferente, ao mesmo tempo que essas intepretações sempre são baseadas naquilo que a obra nos diz; Por exemplo, Blade Runner no ano de seu lançamento foi um FRACASSO comercial, com muita dificuldades quase não passou o valor investido no projeto, e hoje é indiscutivelmente uns dos maiores clássicos cult de todos os tempos.

* claro, se não for a porra de uma teoria da conspiração, mas isso não conta como interpretção.  

Se você perguntasse para um cidadão de 1982 o que ele achava do filme, dificilmente ele sequer teria ouvido falar, ou achou chatão, hoje em dia ocupa um cargo de prestígio.

Travado o embate, qual interpretação é a melhor? Quem estava no calor do momento do filme ou quem presenciou 40 anos depois? A resposta é evidente! Nenhuma! 40 anos atrás haviam de fato razões para achar o filme uma draga e atualmente existem razões para ser um clássico, até considero ele muito a frente do seu tempo, acabou pagando por isso. 


Se não existem elementos objetivos para dizer se uma obra é clássica ou um flop, imagina se existem para dizer se tal personagem é X ou Y, a obra sempre vai dizer por si só, não o autor, não os produtores. Por mais que sejam forte suas vontades. 

Porém, porém... Dialeticamente a isto, o autor também possui meios e recursos narrativos para guiar o enredo, a obra fala por si só, mas o autor a começa do zero, se ele pretende falar X e não coloca elementos narrativos ou até não consegue transparecer isso, como que o público vai advinhar? Não dá pra cobrar dessa maneira. 

Um erro muito comum, em minha pespectiva, é quando o autor cria um personagem principal problemático e de forma inconsciente, por estar adequado a ESTRUTURA presentes para um protagonista, faz que todo o universo esteja na pespectiva do personagem problemático.

Para clarificar: Pense em um personagem fascista, o autor não é fascista, mas cria um mundo decadente, cria um cenário onde o governo é sem rumo, cria um cenário de depravação de fato da sociedade (o lugar é mostrado como violento, altos indices de prostituição), cria motivos que justifiquem seu ressentimento com alguma coisa (exemplo uma guerra perdida por aquele país) e outros fatores que se encaixam no discurso fascista. Aquele personagem, em um cenário como esse, é um vilão ou um herói? Como ele pode ser tratado como um vilão se não está deslocado no world bulding do lugar? Ou até se sua presença se faz necessária? Fica muito díficil cobrar da audiência uma exegese completa quando a obra não consegue voiceferar suas próprias inteções, ou pior, quando parece que o autor concorda com as ideias do personagem/gosta do personagem e não o consegue colocar em situações constrangedoras, assim sempre mantendo o status de vencedor ou coisas parecidas. 

Pra mim é o caso do Walter White, muito popular e querido, mas na verdade é um pai de família que abandona a própria família, negocia com nazistas, abusa a esposa grávida na segunda temporada, explode um asilo, envenena crianças, pouco demonstra remorso e a todo momento manipula seu parceiro do crime para conseguir o que quer, e sempre consegue; Ele sempre está resolvendo os problemas e sempre consegue também, é o agente modificador da trama; Quase um escolhido, um simples professor de química que vira um chefão do tráfico de Albuquerque; Ele apresenta alguns traços vilanescos como crueldade, frieza, egoísmo, mas de certa maneira o universo de Breaking Bad sempre conspira ao seu favor, só perceber o quão Vince Gilligan faz a Skyler White, esposa de Walter, alguém insuportável por toda série e ela era a pessoa que estava fazendo a coisa "correta" ao afastar sua família de um evidente maníaco das ideia, mas a série a transforma em vilã em alguns casos. O Jesse a todo momento é mostrado como alguém de pouca confiança e dentre outros fatores, o Vince embarca na visão de mundo do próprio personagem que ele criou, fazendo alguém incontroverso, obstinado e machão! Um verdadeiro herói de própria história, que escolheu viver como homem do que aceitar morrer como um fracassado (que acha que era).

Esse ponto de frustação do Walter poderia ser melhor trabalhado, ao invés de justificado no sentido que ele realmente parecia ter razão em alguns pontos. Na minha interpretação é apenas um homem realizando suas próprias fantasias de poder, mas muita gente lê o Heisenberg como um gênio, um personagem fodão e essa interpretação tem muita margem de acontecer, assim como as pessoas que odeiam completamente a Skyler, a audiência encontra pé em pensar dessa maneira.

É só notar como uma cena de um contexto onde o Walter estar totalmente errado, quase revela sua identidade no episódio anterior, um ataque de macheza passando vergonha e até pede desculpas para Skyler no mesmo episódio virou seu bordão tema, possivelmente o grande momento icônico que tem suas intenções "desapercebidas" porque a narrativa não consegue mostrar.

"i Am ThE dAnGeR" porra nenhuma, carequinha... porra nenhuma...


Campeão em justificar persoangem babaca são produções policiais, especialmente aquelas do policial fodão que é torturador, mestre em abuso de autoridade e mata a rodo porque o ""sistema"" é corrupto ou seus superiores não estão entregues de coração. Entrando naquela pespectiva de ser o agente moralizador em um lugar imoral, tanto que a maioria dos desfechos desses filmes são o policial descumprindo as ordens, mas sendo beneficiado ao final por conseguir seu objetivo. 

Algo que a mídia também adora abusar são produçoes com assassinos em série, levando para um caminho quase-fantasioso sobre matar aos montes, isso quando não atribui sempre conotações positivas aos asssassinos, como genios, sedutores, manipuladores, bom de conversa, em uma completa glamourização que pouco ajuda a entender o fenomeno pretendido e acaba por alimentar um público viciado em um tipo de conteúdo tóxico e desensibilizado, que vai atrás das produções mais bizarras possíveis.

Sem falar quando as produções não tem a devida permissão das famílias das vítimas, que são obrigadas a reviver todo um trauma. Esse tipo de produção é visão sobre "psicopatas" (termo incorreto) gera alguns conteúdos terríveis de internet de "como identificar um serial killer", como se houvesse realmente um padrão ou um elemento essencial que caracteriza um assassino em série, sendo que na verdade apenas ficam famosos aqueles que obedecem o padrão imposto pelas mídias de true crime. 

Sim, estou falando de Dahmer. Assassinos em série reais NÃO PODEM virar cultura pop.

mais uma cagada da netflix, e contando.

Então algo com a premissa de tecnico-forense-documental acaba por criar um baita espetaculo, a mídia em alguns casos é a responsável pelos casos não terem uma solução correta de fato. True Crime é um problemão e tanto na minha opinião, não tem nada de fascinante em canibalismo, assassinatos brutais que resultam traumas familiares por toda vida ou determinadas personalidades do crime. 

Teve até um abençoado que se fantasiou de Dahmer. É complicado...

Existe inclusive um meme que toca a respeito desse assunto. Ver um filhote de cervo sendo morto em um documentário de caça das leoas é algo bacana, um pouco brutal e épico! Mas quando o documentário é sobre a vida dos cervos a coisa fica triste. O mesmo objeto (morte de um filhote) pode ser demonstrado de duas formas diferentes, aquela pessoa que está torcendo para o filhote ser destroçado pelo grupo de leoas no documentário de caça é mal carater? Burra? Talvez não, porque a obra dá margem para isso, através de seus recursos estéticos e narrativos. 

Como diria Andressa Urach: MÃS...

Tem outro ponto...

A apropriação de determinados personagens por grupos de direita e misóginos. 

Com todo respeito, existem uma diferença entre uma visão de determinado fato e pura conspiração perante eles, em outras palavras, se você vê o Patrick Bateman e subentende que ele é um "homem alfa"/sigma, simplesmente não entendeu a porra do filme, isso se assistiu. É apenas um comentário bem ácido sobre a cultura yuppie, que pode ser chamado de equivalente oitentista dos atuais faria limers, através de um personagem supostamente serial killer. Aliás o livro original foi escrito por um homem gay e o filme é dirigido por uma mulher, só de trivia.

Travis Bickle do Táxi Driver é um caso um pouco mais complexo, porque é um personagem muito sensível de se colocar em tela, pelos problemas comuns que apontei aqui, mesmo assim não tem toda Nova York por sua ótica, o Scorsese consegue não o heroificar, por mais que o enredo caminhe por esse lado. Esse é um ponto interessante em Táxi Driver, a história é um desenvolvimento de herói, mas esse heroismo existe apenas na cabeça e nas fantasias do Travis (algo que poderia ter acontecido em Breaking Bad), porque todo o resto do filme o trata como um fracasso/esquisitão que é, então o filme sabidamente faz que apenas o personagem problemático tenha a pespectiva problemática, o resto da história não está sobre a ótica dele. Psicopata Americano também, já que no final do filme não dá nem pra ter certeza se o que aconteceu foi real.

Tanto o Travis tanto o Patrick são mostrados como párias, ao invés de só mais um cara bem malvado no meio de tantos (como nos filmes policiais), assemelham-se mais como vilões protagonistas do que essa classificação mais cinzenta de anti-heroi, que até hoje ninguém conseguiu definir direito. A desmontração desses tipos de personagem como párias é uma das soluções para não imputar a função narrativa de agente modificador, moralizador e outras estruturas narrativas utilizadas para a criação de heróis, por consequencia, ninguém irá torcer para o seu sucesso ou se sensibilizar/se enxergar no personagem. Exceto por aqueles que estão presos em teorias da conspiração. E aí, aí é outro debate.


Historicamente movimentos mais extremos a direita como o fascismo se apropria de símbolos já criados para difundir seus ideais, a suástica era um símbolo religioso budista, além de outros símbolos de culturas indio-européias apropriadas pelo nazismo, do mesmo vale para o período neoclássico, que sua vez é uma baita romantização da cultura greco-romana. O oportunismo e bagunça de certos debates é marca registrada desses grupos, também como a comunicação por símbolos ocultos, nomeados mais recentemente na internet como apitos de cachorro; por óbvio, nesses casos, é sacanagem da audiência, a obra não tem culpa em nada disso. 

No fringir dos ovos...

Não é uma questão CONDENAR "falhas" de representação, o autor é responsável, mas a culpa é da obra. É apenas uma tentativa de entender o comportamento da audiência e a formação de arquetipos na nossa cultura, também quais elementos nos levam a simpatizar ou odiar tais personagens.

Se uma gama de pessoas entende tal obra de uma maneira é mais fácil daquela obra não ter conseguido dizer o que pretendia do que a gama de pessoas serem burras.

Por favor, não considere a maioria das pessoas burras, esse discurso é no mínimo perigoso, para ser educado, 


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