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Nara Leão não foi a "musa da bossa nova"

 

Nara, uma mulher de opinião.

É importante trazer o seu legado e importância na história da MPB, aliás foi no apartamento 303 no Bloco Louvre em Copacabana, casa dos pais de Nara Leão que nasceu a bossa nova, só que a história da cantora capixaba não foi restrita a bossa nova. Infelizmente a sua figura é reduzida a uma mera "musa", algo bastante problemático que vou expor na postagem abaixo.

Em dois pontos
1. Reduzir mulheres a condição de musas é um tipo de objetificação. 
2. Nara Leão tem mais história fora da bossa nova do que nela.  

1. Por favor, parem de chamar mulheres de musas 

A questão é sobre o tratamento midiático sexista que a maioria das mulheres recebem, na sua maioria em ambientes majoritariamente masculinos (quase todos), é um triste efeito comum nos meios esportivos, política e cultura em no geral.

A título de exemplo, vou pegar o caso da deputada Manuela D'Avila, que tem uma série de feitos - no sentido de pionerismos - tem a sua atuação, mas na juventude recebia um simples status de musa. Análise feita por Lorramne Cordeiro Fonseca - UFF em ENSAIO SOBRE A REPRESENTAÇÃO MACHISTA NATURALIZADA E PROPAGADA PELA MÍDIA, SOBRE OS MEIOS JURÍDICOS CAPAZES DE ATUAR EM DEFESA DA MULHER FRENTE A ESSA REPRESENTAÇÃO E SOBRE POSSÍVEIS SUGESTÕES PARA UMA MUDANÇA NA PERSPECTIVA MIDIÁTICA:

No ano de 2006, Manuela foi eleita Deputada Federal e, logo após o término do
período de eleições, a mídia atribuiu a sua imagem o título de “musa do Congresso”. A partir desse momento, jornais, revistas e noticiários passaram a referir-se à Deputada por esse título, que evidenciava, exclusivamente, a sua aparência física.

Nota-se claramente que a mídia nacional, ao intitular a Deputada como “musa”,
ignorou completamente toda a sua trajetória estudantil e política, além de todas as suas propostas de ações políticas, enfatizando somente os seus atributos estéticos, dando à Deputada, apenas, a função de enfeitar o Congresso com a sua beleza feminina, levando em conta tratar-se de um ambiente predominantemente masculino. Além disso, a mídia ao tratar da relação entre Manuela e seus eleitores, desprestigiou a sua eleição, que foi atribuída, mais uma vez, a sua beleza física. 

Não restam dúvidas quanto à presença de padrões machistas na abordagem feita pela
mídia que reforçou nitidamente o estereótipo da beleza, dado às mulheres, e suprimiu todo o tipo de intelecto, bom desempenho profissional e capacidade de argumentação, que pudessem ser associados à figura feminina. A título de exemplo, em uma matéria intitulada “Manu, a sedutora”, publicada em 19/03/2008, no endereço eletrônico da Revista IstoÉ, é possível notar que, além de haver um destaque para a aparência física de Manuela, o título da matéria atribui uma imagem sexualizada à Deputada, pois sugere a ideia de que ela estaria no Congresso, apenas, para o fim de seduzir. Durante a leitura do conteúdo da matéria, é possível perceber que, embora sejam trazidas algumas questões políticas, são sempre retomados os assuntos fúteis, como a beleza e o então relacionamento amoroso da Deputada com o secretário-geral da Executiva Nacional do PT, José Eduardo Cardozo (PT-SP).

Como diz um padre do tiktok "é muito é paia", reduzir toda uma carreira (de qualquer que seja) de uma pessoa apenas em um atributo físico, como se ela fosse a porra de uma planta decorando o salão, não tem o menor cabimento. Fora que sabemos muito bem quem é o tipo de mulher que é tratada como "beldade" e o tipo de mulher que, ou é feia, ou é alvo de fetiche, a mulher branca é musa, uma ninfa, a mulher negra é da cor do pecado, fogosa, e todos esses elogios maravilhosos que a cultura brasileira tem (com doses de ironia).

Só a título de endossamento do ponto, vou deixar um artigo escrito por Jaqueline Backendorf Regert - UFSM, que fala sobre as mulheres no esporte. É um fenômeno parecido.

Para-além-do status de musa, muitas entrevistas geralmente são sobre temas considerados "femininos" como criação de filhos, o marido, cuidar da casa e etc, essas entrevistas mais "intimistas" enquanto homens não passam por esse tipo de situação, exceto por listas em sites de fofocas que mostram as esposas dos famosos, tal qual estivessem mostrando um carro, um relógio e esses tipo de propriedade. 

Com Nara Leão a situação não foi diferente, até hoje alguma veículos atribuem essa coroa de "musa da bossa nova", termo batizado nos anos 60 em uma crônica de Sérgio Cabral. Enquanto cantorEs recebem manchetes como genialidade; talento; maestria, todos atributos relativos ao seu talento/obra. Algo razoável se tratando de um artista. 

Fazendo justiça, a Globoplay lançou um belo documentário sobre a sua biografia, recomendo. 

2. Nara Leão e bossa nova

E vamos de fatos 

Foram em reuniões como essas, no Edifício Palácio Champs Élysées, bloco Louvre, em Copacabana que a bossa nova foi criada, especialmente quando João Gilberto decifrou o enigma que os jovens músicos estavam procurando, como decantar o samba para o violão? O taborim. O taborim foi reduzido a batida do violão, que a famosa batida da bossa nova. O apartamento eram dos pais da Nara, que sempre esteve por lá, acompanhando tudo e aprendendo a tocar violão, ela estava na faixa dos 14 quando os encontros começaram, por volta de 1956.

Nara, assim como todes do rolezinho seguiu carreira musical pela bossa nova, sendo João Gilberto, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli (chegou a ser noivo de Nara), Carlos Lyra, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Entre outros que vira e mexem entravam de gaiato também.

A bossa nova durou muito pouco tempo, isso merece uma postagem pra si só, no caso de Nara Leão, ela se afastou desse grupelho por volta de 1961, depois que seu noivo a traiu com a cantora Maysa, um verdadeiro golpe pelas costas, não só esse fator como também uma certa "radicalização" a esquerda (com muitas aspas) dela e do Carlos Lyra, indo cada um pro seu canto, um canto foi pro Carnegie Hall levar a bossa nova pra Nova Iorque, outro se fundiu com a MPB, não atoa, Nara Leão é a voz de A Banda, música ganhadora do festival de música popular brasileira da Record de 1966. Só por esses fatos, seria muito injusto atribuir a cantora capixaba o título de musa de um movimento que ela nem parte fez. Para além do machismo embutido, é bem desrespeitoso com a sua carreira 



Quem a vê toda tímida cantando em cima dos palcos não imagina o quão afrontosa era, sempre dando opiniões consideradas polêmicas para a época (como ser a favor do divórcio, e direito básico das mulheres num geral) e o certeza top 10 momentos da nossa cultura: Nara Leão declarando que o "esse exército não vale nada" algo que rendeu um incrível poema do Carlos Drummond de Andrade. Atrelado a isso tem o famoso show opinião, que contava com Zé Kéti, João do Vale (dois grandes compositores desses país) e Nara Leão, que quando saiu foi substituída por Maria Bethânia, em começo de carreira. Ativamente protestando contra o regime, precisou se exilar na França logo após o AI-5.

Mas não antes, claro, deixar a sua voz na tropicália em 68 no homônimo álbum, na música Lindonéia, uma pintura do Rubens Gerchman que foi adaptada. Nara Leão é também tropicalista! 
  
Por fim, também está associada a todo esse movimento de "trazida" do samba de morro para fora do morro, título de exemplo o quanto Zé Keti aparece nos seus 3 primeiros álbuns, somado a esse movimento de valorização do Cartola no começo da década de 70 e o resto, é o resto, não há quem não goste do Cartola.

Resumidamente, Nara Leão nunca esteve associada a bossa nova, tendo apenas uma rápida participação no começo da carreira, mas logo em seu primeiro álbum, já não era do movimento. A não ser pelos seus álbuns de fim de carreira (influencia do Menescal), sendo uma autêntica e pioneira artista de MPB desde do seu primeiro disco em 64. Sendo muito mais do que um rostinho bonito que decora a nossa cultura, o cargo de musa a ela não é cabível.


Por favor, nem de brincadeira, deixem que prenda Nara Leão
Carlos Drummond de Andrade 

Cartola, Nara Leão, Zé Keti, Nelson Cavaquinho

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