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Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

50 anos atrás surgia o primeiro artista gay do Brasil: Edy Star, o astro esquecido

esta bicha é tão velha que a palavra gay nem existia ainda

Sim, é óbvio que existiam artistas gays antes do Edy Star, porém, Edy foi o primeiro a se declarar gay assumidamente! Em 1973, em plena ditadura militar e seus pânicos morais a solta. Vamos com calma, vem conhecer a história dessa estrela.

Antes de adentrar no tema, precisando do ponto principal:

Quem é Edy Star?

É exatamente aquele tipo de pessoa pública que não é reconhecida quando pega um ônibus, e olha só, ele deve pegar ônibus, pois nunca conseguiu ser milionário com a música, mas admite ter dinheiro suficiente para viajar e viver bem, em suas próprias palavras: 
"Mas quem ganha dinheiro são autores de músicas. Artistas ganham pelo show. Faço uma média de um ou dois show por mês. Tem meses que eu faço sete shows e em outros nenhum. Tem vezes que me pagar a passagem, hospedagem e ajuda de custo e também vou fazer o show. Gosto de viajar" (Entrevista para a revista Quem. Junho/2020)

A sua discografia é menor que sua importância na música

Isso se dá por ser um músico satélite, ou de segunda prateleira, ou seja, não é pequeno o suficiente ao ponto de ser independente ou regionalizado, ao mesmo tempo que nunca recebeu holofortes o suficiente da mídia, apesar de ter gravado em gravadoras grandes, e ser próximo de artistas famosos, como Caetano e Gilberto Gil, amigos da juventude e Raul Seixas, amigo de infância com quem gravou Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, junto ao Sérgio Sampaio e Miriam Batucada. Além de Sweet Edy que já ouvi e vai sair resenha essa semana ainda! E um disco de 2017 idealizado por Zeca Baleiro cunhado de Cabaré Star. 

Edy Star não é de uma família de artistas, muito pelo contrário, quando decidiu largar seu emprego para ir embora de sua cidade com o circo da cidade causou o maior bafafá, o pai revoltado disse "minha família nunca teve artista!" e o jovem Edy respondeu "estava na hora de ter um então", vamos admitir que a largada era compreensível, ele trabalhava em plena petrobrás, apesar de estar ganhando bem, decidiu largar tudo, aos 20 anos para virar artista. Edy Star nunca gostou de trabalhar na petrobrás, pela homofobia do local de trabalho, tanto que nunca teve vocação nenhuma:
“Odiava aquilo tudo. Eram 1.500 homens no campo e uns quatro ou cinco gays, todos enrustidos. A gente soltava a franga, mas chegava alguém e a gente tinha que mudar a voz, falar de mulher. Sempre escutava umas piadinhas e, ainda por cima, ficava todo sujo de petróleo. Um horror.” (Entrevista a Revista Trip maio/2010)

Depois de seguir a vida se apresentando em circos, trabalhou em algumas emissoras de rádio, mas o episódio mais marcante foi na TV Itapoan, quando cobrou os 3 meses de salário atrasados ao vivo! E foi expulso da emissora em seguida, sendo jogado no estacionamento pelo próprio dono da emissora.

"E ele nunca vinha pra televisão. Sabe, nesse dia o filho da puta estava na televisão, aí eu estou no palco e "Alô seu Paulo! Eu tenho um problema chamado estômago!". Quem gosta desse caso é Jerônimo, Jerônimo adora. "Olha eu tenho um problema chamado estômago, o supermercado não quer aceitar aplausos, só quer aceitar dinheiro, como é que é? Vai me pagar quando?"."(Entreivsta ao programa Espelho com Lazáro Ramos agosto/2019)

Logo após ser demitido, encontra Raulzito (Raul Seixas) em um bar, tomando um choppe, por acaso do destino Raul Seixas estava procurando justamente Edy, para gravar o disco sessão das 10 pela CBS, qual Raul era produtor. Tem uma história sensancional sobre esse disco, mas irei comentar quando fazer uma resenha pro blog.

Raul Seixas, Miriam Batucada, Sergio Sampaio e Edy (que não era star ainda)

4 quatro anos depois dos eventos da CBS (que culminharam na saída), grava a convite da som livre o clássico Sweet Edy, que terá resenha nesse blog ainda nessa semana, não percam.

Seguiu se apresentando em cabarés do Rio e de São Paulo, até o modelo de boates assim irem se esgotando aos poucos, Edy Star não se adaptou bem a nova modalidade de apresentação noturnas, o playback, ao invés das bandinhas da noite que estava acostumado, o que acarretou em sua saída do Brasil, na verdade um exílio para a Espanha, após ter sido ameaçado pelo regime militar

"Porque não tinha mais como trabalhar, as boates não tinham mais conjuntos acabaram com os conjuntos na boate, toda boate tinha um conjunto: piano, baixo, bateria, um trompete ali. Então a gente cantava, tinham os cantores da noite, né? Emílio (Santiago) era cantor da noite, Everardo, tinham vários cantores... A Auréa Martins, Djavan, (Maria) Alcina todos eram cantores da noite, acabaram com isso.
Eu só sabia cantar, e fazer meus numerozinhos de publicidade e não tinha mais onde trabalhar. Daí eu tive que viver cantando com playbacks, as pessoas me davam Alcione me dava, Emílio Santiago me dava, a Beth Carvalho, as gravações, o fundo musical, das gravações deles, só que isso você tem que se adaptar a respiração, as paradas, os timmings dessas pessoas que não é o seu timming, muita das vezes você quer inventar e não pode. Aí, eu fiquei muito chateado com isso, não dá mais" (Entrevista ao programa Espelho com Lazáro Ramos agosto/2019) 
 
A gota d'água foi uma censura que sofreu somado a ameaça de que "vão sumir comigo" como o próprio Edy diz. Pelos anos seguintes se aventurou pelas artes plásticas, e só voltou aos estúdios praticamente 40 anos depois, com uma idealização do Zeca Baleiro para gravar seu segundo disco, Cabaré Star, que conta com vários artistas convidados.

Além da música, Edy Star também trabalhou em algumas peças, dirigiu alguns puteiros em Madrid, e até se aventurou nas artes plásticas, muito além de cantor, era um artista completo. Inclusive, participou da primeira versão nacional do musical Rock Horror Picture Show  em 1974/75, substituindo o Eduardo Conde, sinceramente, Edy é o Frank N Furter em pessoa! A peça também contava com Zé Rodrix, que já tem resenha de álbum aqui.

uma pena da peça ter sido picotada pela censura
Se era quem eu precisava apresentar, está entregue, Edy Star por ele mesmo.

Conheça mais sobre ele em, fontes que utilizei:
https://lucassville.blogspot.com/2011/04/rocky-horror-show-montagem-nacional-de.html
https://www.youtube.com/watch?v=ndHFItxJ4ss
https://www.youtube.com/watch?v=9QbYSLkyuLQ
https://revistatrip.uol.com.br/trip/o-primeiro-gay-a-gente-nunca-esquece
https://revistaquem.globo.com/Entrevista/noticia/2020/07/edy-star-sobre-ser-o-primeiro-artista-se-assumir-gay-no-brasil-sai-quem-pode-e-quem-quer.html
https://disconversa.com/disco-da-semana/disco-da-semana-edy-star-e-sua-naturalidade-transgressora/

• A saída do armário, quer dizer, no armário nunca esteve.

O fato aconteceu em 1973 para a revista Fatos & Fotos, eu não achei a porra da fonte original, mas o fato é conhecido consolidado e público. Foi nessa mesma época que começou a adotar o sobrenome artístico de Star, quando foi "adotado" pela mídia como o Pasquim, que ditava a opinão pública da época.
Apesar da declaração pública, duvido bastante que alguém ainda estivesse dúvidas, pois Edy sempre foi do vale, desde de sua adolescência, de quando andava com gilete embaixo da língua e descia a porrada naqueles que o chamava de "viado", teu apelido de praça era Bofélia, assim como todas as outras tinham seus nomes, isso em pleno anos 50. Deve ter causado bastante confusões. 

Qual a importância de termos artistas gays e outras letrinhas do meio LGBTQIA+?

De duas figuras públicas gays antigas que me veem na mente penso em dois, João do Rio, o criador (praticamente) do modelo de "crônica carioca", inovador lá pros anos 20, porém a sua homossexualidade nunca fui assumida de fato, também me vem a mente Johnny Alf, que nos anos 50 foi o primeiro músico a se pensar bossa nova, ou modelo que viria a ser bossa nova, já que tocava em salões algo que viria a ser inovador, pórem a história do Johnny Alf* é tão triste, tão vazia de informações, que enfim. Nem vou falar de tristeza que não combina com a simpatia do Edy Star, curiosamente, todos os citados além de gays, são negros.
*Posso falar de Alf em outro momento.

O próprio Edy conta que até conhecer a turma gay/travesti lá da Bahia se sentia "a única bicha do mundo", sofrendo com a "maldição" (muita homofobia interna), após o conhecido de uma comunidade reconheceu a si mesmo se enxergando nos pares, porque a normativa da sociedade reprime qualquer comportamento minimante fora da linha, como homens chorarem! SIM, chorar (uma emoção humana) é proibida aos homens, por demonstrar fraqueza, como os homens mais emotivos podem se reconhecer como homens emotivos se a norma manda ele parar de ser daquele jeito? É praticamente impossível ter uma autoaceitação.

Mais importante pelo direito de escolher (no sentido de escolher viver) a sua sexualidade e viver em paz, é importante a peversão daquilo que reprime, da subversão da norma que foi imposta de forma violenta em nossa sociedade, assim como aconteceu nos anos 70, com o próprio Edy Star, o grupo Dzi Croquettes, Ney Matogrosso,  Maria Alcina, Rogéria em menor medida Gilberto Gil e Caetano Veloso, e mundo a fora com o surgimento do Glam Rock. 

Por falar em Gil e Caetano, sabemos que não tem um fodido hétero nesse meio da MPB, porém nem todos quebravam a cisheteronormatividade de forma tão escancarada, porém, isso não é de forma nenhuma demérito desses artistas, a luta deve ser tanto para quem quebra com tudo, tanto para quem não se expressa de forma tão 'colorida', digamos. Dialectamente a isso, a possibilidade não-pressão em figuras públicas que não falam tão abertamente sobre sua sexualidade só é possível porque termos aqueles que afrouxam a corda de nossos pescoços com a provocação e subversão.

A ideologia dominante prevalece, por isso que todo processo de aceitação levam uma vida inteira.
 O próprio Edy fala sobre:
“Antes de mim, durante e até hoje tem muito artista que ainda está no armário. Muitos artistas que nós sabemos que são bichíssimas, mas que estão no armário, casadas, que são pais… Assim como lésbicas também. Todos sabem, mas isso é uma coisa de cada um. Alguns anos atrás, existia uma militância para fazer os artistas saírem do armário. Não concordo com isso. Ninguém é obrigado a nada! Sai quem pode e quem quer. Tem gente que tem receio e eu entendo. Porque o mundo não é gay! Ele é feito de uma convivência de homossexuais com heterossexuais. O mundo nunca foi gay.”  (Edy Star para a revista Quem. Junho/2020)

O mundo nunca foi gay, também, nunca foi hetero, essa dominação nada mais passa de uma ideologia, assim como todas as outras, imposta de forma violenta, ela deve ser combatida, para inclusive até aqueles que não aptidão ao combate, possam conviver bem, então se queremos um cenário onde a sua sexualidade não seja motivo de debate, precisamos de mais debate sobre sexualidade e comportamento humano, parece contraditório, mas assim que é bom.

Aliado a outras grandes figuras da música, e a arte um geral, Edy Star faz parte, sendo pioneiro, na subversão, no combate e embate nessa ideologia caquéctica, que irá de perecer, junto com a velha ordem.

Por mais que ele seja modesto em relação a isso, a sua memória deve ser preservada e viva, segue vivão e simpático como sempre, vida longa a Edy Star! 


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