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Bem-vindes a Marginália 3

Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

Extra (1983)

                               

Informações legais:
 Abril de 1983
10 músicas, 45 minutos
Warner;
MPB, New Wave.

Apesar do álbum ser do Gil, ele dispensa apresentações, uma figura que precisamos destacar é quem está por de trás desse projeto é um colosso da indústria pop brasileira dos anos 80, o Liminha! O Liminha é aquela figura da música faz a roda girar, mas a gente nem sempre percebe, mesmo assim a sua ausência faria um estrago danado na música pop nacional.

é o Pelé da produção, não tem jeito

Esse humilde senhor é responsável pelos os maiores hits da década de 80, ex baixista dos mutantes, ainda chegou a produzir para as Frenéticas e Zezé Motta nos anos 70, mas falando dos sucessos: Os principais álbuns do Lulu Santos (tipo Tempos Modernos e Tudo Azul), Seu Espião do Kid Abelha (onde TODAS as músicas são hits), Barão Vermelho, Titãs, Paralamas do Sucesso depois de estourarem com O Passo do Lui, o não tão bom assim Ultraje A Rigor, as músicas esquisitas da Fernanda Abreu e Fausto Fawcett e o superclássico cult da música nacional: Da Lama ao Caos do Nação Zumbi.

Rick Rubin é um amador perto desse cara aí. E é amador mesmo, não toca nem lata de leite ninho. 

Vou ser humilde em não citar que jogou no mercado o Ed Motta e a Vanessa da Mata, ah ele é responsável pelo umas das minhas linhas de baixo favoritas, Fullgás da Marina Lima. Tá fraco de currículo? Se estourar um escândalo sexual desse cara a MPB está fodida, vai ser pior que o P Diddy. Só hipotético, o mercado brasileiro não é tão baixo assim. 

Mas óleos de bebê a parte, já tá claro que Liminha é um monstro sagrado do mercado fonográfico, seu nome nos álbuns é quase um sinônimo de qualidade. Extra não é uma exceção a regra, vamos resenhar ele agora ao vivo e a cores. 

A começar pela capa que apresenta um visual meio infantil, mas não infantil no sentido de imaturo, infantil porque parece uma embalagem de fralda Pampers. 
Com serpentina de festa infantil ao fundo, um tipo fumaça violeta, um disco voador que parece adesivo e um lindo viadinho que rouba a cena acompanhado com um adesivo de um animal que parece um cervo, talvez (foi uma piada terrível, peço perdão). Então intenciona ser algo leve, algo jocoso e divertido, com a capa o álbum promete uma diversão. Eu ressalto que o Gilberto Gil sempre teve esse lado de obras que remetessem a infância, não atoa ele é o compositor da famosa Sítio do Pica Pau Amarelo (1977) que muito faz memória das crianças do Brasil (marmelada de banana e coisa e tal). Se experimentando ritmos ou até compondo na perspectiva de crianças, como na música que o colocou no mundo Domingo no Parque (apesar do final violento). 
A minha sensação se confirma ainda mais com a contracapa, legitimamente parece um disco da Xuxa!

                                    

É um tipo de estética de maternal ou escola infantil que muito combina como  Gilberto Gil.

Seria um turma-da-mônicacore?

Gilberto Gil é um excelente contraponto para músicos de compositores que por muita das vezes, intencionalmente ou não, acabando criando composições muito complicadas e cheia de nomes, tornando algo que deveria ser popular em pretencioso (estou falando do CAETANO VELOSO pra quem não entendeu), não que seja negativo, mas estilos e estilos. E quanto mais estilos termos acesso, melhor para nossa cultura. 

Se divertir ainda é coisa de adulto, a vida não precisa se resumir em responsabilidades e poesia triste. 

Falando de cores, a combinação não deu muito certo, violeta azul e amarelo, um fundo quase chapado, mas o anos 80 perdoava esse tipo de coisa. Eu tenho a CERTEZA que a capa desse álbum é inspirada no segundo álbum do Prince (que na verdade foi mais um debut porque ninguém lembra de For You), vejam a similaridades:

Prince, 1979


Caso não tenha ficado claro o que tem de parecido, vou fazer um comparativo. 



Nunca que vou acusar o Gil de copiar alguém, mas assim, são dois álbuns produzidos pela Warner, o álbum do Prince fez bastante sucesso, as datas são próximas então naquele pique, talvez algum da Warner deve ter sinalizado que "po aquele álbum do Prince ia combinar com o som desse aqui". 

Pois bem, depois de tanto lenga-lenga e elogios ao Liminha, qual é o som disso aqui? 

Assim que você desce o cacete no botão do play chega um reggae delicioso e perfeito para apertar a braba, Gilberto Gil mostra que muito aprendeu naquela época que virou quase rastafari (metade dos anos 70), apresentando um reggae sensacional em Extra, faixa título do álbum que não poderia ser outra. É um reggae que não tenta mimetizar o roots jamaicano, mas apresentando um ritmo. Sendo bem mais rápido e mais "limpo" do que as produções jamaicanas (com limpo eu digo com a ausência de instrumentos, mais clean), Com uma linha de baixo que te leva para outro planeta, ou até pra outra planta, depende do você seja usuário. 

A música ainda é acompanhada com sons estranhos que são maneirismos típicos dos anos 80, enquanto a letra não precisa falar muita coisa. A música jamaicana é que mais permite alterações sem perder a qualidade, Extra é um desses casos. Se Extra fosse um single já estaria de bom tamanho, mas ainda seremos acompanhados por outras 9 músicas. 

Elá, Poeira se arrisca com ritmos mais próximo ao funk e um disco, até quase apostando em um Hi NrG (ou bate estaca como ficou conhecido no Brasil). Com a implementação de instrumentos caribenhos, entrega um saladão que acaba não tendo gosto de nada. Apesar de não ser tão confiante do que está fazendo, é dançante, ritmada, mas o refrão é quanto chatinho. A repetição não é um problema quando a música te agrada, mas quando não é o caso, só parece que nunca vai terminar. Elá Poeira eventualmente pode ser um desses casos. 

Mar de Copacabana totalmente bossanóvico, o Gil tem o João Gilberto como ídolo, apesar desse detalhe ser menos aparente em sua carreira, mas na primeira oportunidade que tem ele faz coisas desse tipo. A sagaz adição dos teclados dá um toque a mais de João Donato ou outros inúmeros de jazzistas que regravaram bossa nova nos anos 70, são muitos. Ainda rolou um piadinha musical colocando O Barquinho (aquele lá do Roberto Menescal) próximo do minuto 2:00, bem de relance, eu peguei. 

A linha e o linho começa como uma música do Emílio Santiago, romance puro, romance não sexo!, o dito MPB romântico (que geralmente fala sobre sexo!!), ou sendo bem chato o samba jóia (que nem sempre fala sobre sexo!!!), a música tem um caráter bem sexy, algo sensual uma história de amor bem intensa e apaixonada, cheirinho de vinho tinto barato. Uma parada que me pegou muito é umas notas bem agudinhas e dissonantes no meio da música, é a cereja do bolo. 

Preciso de você a voz da Nara Gil é IDENTICA a Rita Lee, eu tive até que checar se não era a Rita cantando, a estrutura da música também traz esse rock bem típico da época, fechando o lado A do disco, o Gil não canta nessa faixa. 

O lado B meus amigos, 

Começa com nada menos que um new wave de alta categoria, qualidade aqui tem, um baixo estralando e uma batida bem forte também, um belíssimo solo de guitarra de ninguém menos de Lulu Santos! É um new wave em êxtase. É engraçado essa música no contraste que ela tem consigo, apesar de ser um new wave mega pop, sua letra poderia ser muito bem um Hardcore Punk, afinal sobre isso é a música Punk da Periferia é mais uma daquelas músicas que falam como São Paulo é um lugar horrível. 

Veja como a letra é categórica "Das feridas/Que a pobreza cria/Sou o pus/Sou o que de resto/Restaria aos urubus/Pus por isso mesmo/Este blusão carniça" e ainda fala que "saber que entraremos pelo cano satisfaz!" É punk pra caralho, você escuta e não sabe se vai entrar em um moshpit com coturnos e cabelos mal cortados ou vai dançar numa baladinha também cheio de cabelos mal cortados, os anos 80 não eram fáceis. E o Lulu Santos faz uns dos melhores trabalhos de guitarra na carreira nisso aqui, é uma das melhores faixas do álbum que apresenta uma contradição belíssima.

Eu só não sei a cena punk, que ainda estava se estabelecendo no Brasil ficou tão contente em ver um artista que é nata da indústria brasileira falando do punk desse jeito, com direito até a clipe no fantástico! É mais uma das contradições que fazem uma música tão boa. Polêmica entre os punks dos anos 80? Não achei nada a resposta, mas provavelmente sim. 

Caso seja positivo, é azar deles :)

Funk-se Quem Puder mais uma vez aposta em um disco music 70tista, uma pegada muito parecida com Palco por exemplo, tem um tipo de clap invertido na produção desse negócio que é um charme danado, com uma letra lotada de referência de forma contínua e solta um "nade volta a mãe África". No ritmo de qualidade que o soul brasileiro tem. (Tim Maia, Gerson King Combo, Toninho Tornado e afins).

Dono do Pedaço eu tenho uma ligação afetiva com essa música, já ouvi tantas vezes, é difícil escrever sobre. Ela tem o caráter mais infantil de todas, fazendo jus a capa do projeto e narra sobre um gato de rua, que muito bem poderia ser personagem de um programa da TV Cultura, e talvez esse caráter tão nostálgico de um tempo que nunca aconteceu seja o sentimento mais presente aqui. Essa música tem a jovialidade de ter 7 anos de idade e brincar de bola na rua, mesmo sem fazer referência a tal. 

Sabe quando você percebe que algumas músicas infantis são um musicão?! Tipo Lindo Balão Azul de 1982 do Pirlimpimpim com o Moares Moreira cantando e composição do Guilherme Arantes, essa é fortíssima. 

Mesmo essa não sendo uma infantil especificamente é quase a mesma sensação. Essa bateria batendo em 2/4 de forma constante, uso discreto e bem acertado de sintetizadores, e um riffinho que faz parte da introdução e parece eventualmente na música com um tipo de xilofone. Gilberto Gil também é muito associado a infância pelo Sítio do Pica Pau Amarelo e também pela novelas da SBT, salve engano Chiquititas tinha Palco como trilha sonora, tudo aqui fica reunido mesmo sem sequer ter ouvido essa música na infância. É algo quase mágico que não dá pra traduzir em palavras. 

A primeira vez que ouvi que estava pra lá dos meus 14 ou 15 anos, me marcou muito por zero motivos. Então é um clássico pessoal. 

Lady Neyde, pivete dengosa, candeia de azeite, escurinha gostosaaaaaa.... É tudo que tenho pra dizer (estou escrevendo a letra) + persona muitíssimo grata é a forma mais pomposa de elogiar alguém. 

Para fechar a música, uma bela viadagem que também tem a mesma pegada do samba joia, algo mais romântico. O Veado em questão não pode ser sobre um veadinho, o animal gente. Eu não consigo imaginar outra interpretação a não ser uma relação intensa, sexy e quase erótica um bom belo twink, com algumas referências a gênesis com brincadeiras com "Eva" e ter costelas arrancadas. Eva e adão? Talvez. Indo pro terreno do pecado original e coisas parecidas. 
Lembrando que o Gilberto Gil é abertamente bissexual, então, sei não rapaz....

Extra ao final de tudo entrega um projeto sólido, que apesar de pop, é o bom pop brasileiro que sempre busca referencia dos mais diferentes lugares, misturando culturas e ritmos, que muito é também traço presente da discografia do Gilberto Gil muito por sua veia tropicalista, que ainda continua viva e pulsante.

Informações chatas
Lado A
- Extra (05:53)
- Elá, poeira (03:55)
- Mar de Copacabana (03:25)
- A Linha e o Linho (03:06)
- Preciso de você (03:52)
Lado B
- Punk da Periferia (05:19)
- Funk-se Quem Puder (03:09)
- Dono do pedaço (04:18)
- Lady Neyde (03:52)
- O veado (03:41)

Gilberto Gil: voz, guitarra, violão e percussão
Liminha: arranjos, baixo, guitarra, teclados e bateria digital nas faixas "Extra", "Elá, Poeira", "Punk da Periferia"
Celso Fonseca: guitarra
Téo Lima: bateria nas faixas "Elá, Poeira", "Preciso de Você" e "Funk-se Quem Puder"
Wilson Meirelles: bateria nas faixas "Mar de Copacabana" e "Lady Neyde"
Rubens Sabino: baixo nas faixas "Mar de Copacabana", "Preciso de Você" e "Lady Neyde" e Memory Moog na faixa "Extra"
Jorjão Barreto: piano e teclados
Nara Gil: vocais
Neila Carneiro: vocais
Beto Saroldi: saxofones
Leo Gandelman: saxofones
Bidinho: trombone na faixa "Extra"
Repolho: percussão
Nando: baixo nas faixas "A Linha e o Linho" e "Punk da Periferia"
Lulu Santos: guitarra e vocais na faixa "Punk da Periferia"
Serginho Herval: bateria nas faixas "A Linha e o Linho" e "Punk da Periferia"

Produção e direção artística: Liminha
Coordenação de produção: Tereza Teixeira
Assistentes de produção: Flora Giordano
Estúdio de gravação e mixagem: Transamérica (RJ)
Gerência técnica: Dudu Marques
Técnicos de gravação: Vitor Farias, Cláudio Farias, Rafael Azulay, Vanderlei Loureiro e Liminha
Auxiliares de estúdio: Magro (O poeta), Enock de Oliveira, Mauro Moraes, Lacy Moraes e Billy
Assistência técnica: Ricardo Garcia, Eduardo Pastorelli, Walter Guimarães e Mário Monteiro
Contrarregras: Carlos Marques e Evaristo "Branco"
Programação de Synergy e GSII: Marcos Resende
Corte: Osmar Furtado (Odeon, Rio)
Fotos capa e contracapa: Marisa Alvarez de Lima
Ilustração interna da capa: Jejo Cornelsen e Ricky Bols
Ilustrações capa e contracapa: Antonio Homobono
Artes: Maysa Manso e Dulce Bittencourt
Produção gráfica: Ao Lápis Estúdio

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