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Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

Gal Costa - Aquarela do Brasil (1980)

Informações legais:

1 de janeiro de 1980

MPB, 'Samba de exaltação' e retrogosto de bossa nova

12 músicas, 37 minutos

℗ 1980 Universal Music Ltda

Mas PUTA merda, que saudades da Gal Costa, eu ainda não superei a sua partida, essa baiana está fazendo muita falta na minha vida.

Que o outro plano a tenha muito bem guardada

Eu nem vou falar muito sobre a Gal Costa porque é capaz de começar a chorar, Gal Costa pode ser muito bem apresentada por ela mesma. Uma das vozes mais lindas da nossa música popular, tropicalista, eterna. Nesse álbum, em mais de suas aventuras de retratação do Brasil canta Ary Barroso, e é a proposta, um mini songbook de composições do Ary Barroso.
A capa diz em letras garrafais AQUARELA DO BRASIL, parece um álbum que pelo menos envolve Ary Barroso, o álbum é a Gal Costa cantando Ary Barroso, relação de expectativa e realidade ajustada, correto? Errado. Essa peça surpreende de forma positiva, te pegando de sobre salto com sua qualidade.

Uma cantora já famosa e prestigiada cantando um compositor famoso e prestigiado, é fórmula para aqueles álbuns chatos/protocolares/não merecem sua atenção, é como Zé Ramalho canta Luiz Gonzaga (2010), por mais que goste do Zé, por mais que goste do Gonzagão não tem NADA de especial, é tipo de CD que alguém compra na americanas e dá de "presente" de "amigo" secreto. Nem tudo que parece é. esse disco pode te surpreender.


É complicado, você compra um kit de toalhas e ganha um CD da Americanas, lamentável.

A começar da capa, Ary Barroso sempre deu vibe pra mim daqueles grandes salões e grandes festas dos anos 20/30, o álbum acerta bastante nessas notas e capa deixa isso muito evidente, uma capa bem colorida, toda verdinha e amarelo, bem brilhante, bem viçosa, que remete a grandes bailes de gala e toda aquela pompa de detalhes que a época tinha. Sabe aquelas pinturas da Lempicka, art déco, aquela sutileza chamativa pelo detalhe das cores e também um grande apelo a paisagem urbana...

Les Jeunes filles, Tamara de Lempicka - 1930

O detalhe do álbum está no sutil dourado do lado direito no busto da Gal e aquela geringonça na cabeça, acho que o (eu não faço ideia do nome de maquiagem, talvez fale errado) contorno preto dos olhos deu um bom contraste com a pele brilhante, quase dourado, casando com os cabelos negros e volumosos, também o seu batom vermelhão característico, isso não poderia faltar. Enquanto as mulheres de Lempicka tinha uma certa inexpressividade, o toque de brasilidade da capa trás um sorriso honesto, não é rasgado, é um sorriso art déco, Gal Costa toma bastante espaço na capa, ela é a estrela principal, harmonizada com esse ar de Ary e uma combinação de cores que exala Brasil, um Brasil idealizado... Essa capa é um luxo só!

E assim que se dá play você é vítima de uma nota aguda de metal a queima roupa, uma bateira marcante e uma guitarrinha safadinha na miúda, assim começa a primeira faixa do álbum É Um Luxo Só, toda instrumentação abaixa os córneos para Gal Costa cantar, como Gal está bem aqui, é até chato de elogiar. Eu não sei elogiar a Gal Maria da Graça Penna Burgos Costa, é isso. Nessa música em especial vale ressaltar o belo solo de sax e a quebradinha de ritmo na parte do "cai pra lá, cai pra cá" uma maestria. A música fala das "mulatas", dos sambas, do Brasil caricato que o Ary Barroso ajudou a criar. (Em relação as mulatas, cabe uma postagem só em relação a isso, estou propositalmente ignorando a questão)

Passamos dos sambas, do requebrados para um bolero água com açúcar de Já Era Tempo, que tem o baixo como principal maestro, conduzido toda orquestração e como tá apetitoso esse baixo do Moacyr Albuquerque aqui, sabe aquele pratinho de comida que bate em todos os cantinhos do seu paladar? O baixo é um instrumento muito pouco valorizado, a música seria muito mais chata sem as suas notas graves. Todo álbum é altamente recomendado num aparelho de som potente, pra sentir cada vibração. 

Vou pular Camisa Amarela propositalmente para falar de umas das melhores interpretações que já ouvi, sem nenhum tipo de exagero, Na Baixa do Sapateiro, versão Gal Costa, 1980 é uma das melhores músicas que eu tive o prazer de ouvir nessa vida, eu estou me arrepiando só de escutar ela novamente para escrever sobre, mesmo sendo a música que vira-e-mexe estou ouvindo, nessa versão principalmente. Na Baixa do Sapateiro é uns dos vários clássicos do Ary Barroso, tem várias interpretações, mas essa se supera pela introdução que apresenta, a afinação da Gal Costa e toda instrumentação é algo que ultrapassa a perfeição e te leva para lugares além da compreensão humana. Sendo apenas capaz de deduzir alguns dos inúmeros sentimentos que a música pode te passar, aliás, essa música é um sentimento novo, uma experiência sensorial nova. 

Como eu sou feliz de poder ouvir música, como essa forma de expressão humana é abençoada por algo maior do que eu, esse tipo de música é exatamente o que me motiva a descobrir mais e mais gêneros e cantores. A música te leva para uma Bahia, idealizada, que é um tipo de retratação mais comum na época que os baianos dominavam a MPB (Novos Baianos, Caetano, Gal, Betânia, Gil, Tom Zé, Dorival Caymmi, João Gilberto etc etc etc) e me faz ter saudades de mais músicas do tipo. A saudade é um sentimento nosso, que não é uma perda, nem uma falta, é uma... Certa alegria do momento, de uma coisa que você ainda tem em mãos, é saudade! É uma peça infungível na música Brasileira, que me faz sentir algo bastante nosso.

Folhas Mortas é uma música bem 'Gal Costeana', em ritmo e letra, é o tipo de canção que fez ela ser quem é pós tropicalismo, apesar que a tropicália nunca sai do estilo de quem participou, falando em tropicalista, na canção seguinte vem a voz de Caetano, na música "Tabuleiro da Baiana" que é uma das minhas favoritas do Ary Barroso, Caetano Veloso também cantou a mesma música no álbum Brasil do João Gilberto e os outros dois restantes dos doces bárbaros, três anos antes dessa gravação. São versões bem diferentes, é engraçado compará-las, mal parece a mesma canção.

Jogada Pelo Mundo, numa pegada bossa nova, dedo do Menescal, não poderia ter pessoa melhor; partimos desse soft samba para um samba mais "classicão" em Inquietação, Menescal mandando bem em ambas as interpretações. 

E aqui abro um parágrafo para falar de Tu, mas não és sobre tu nobre leitor, é sobre a nona canção do álbum, numa pegada mais bolerada, sambinha canção, não promete muito, apesar que de longe você escuta uma guitarra fraseando meio fora da pegada de toda música, parecida estar esquentando para algo maior, apenas em uma segunda ouvida você, tu, percebe que as frases soltas de guitarra estavam amaciando a canção para um excelente solo de guitarra no preciso minuto 2:18. Esse solo invade a música e toma para si, como é um solo gostoso, uma sensualidade, uma beleza, uma experiência quase sexual eu diria, de um prazer, que eu diria que o guitarrista tava bem disposto nesse dia, esse solo é o tesão gravado em forma de som, ele capta o movimento do ímpeto, não o do gozar, mas do querer, o prazer no desejo.

Ouvindo de novo, não lembrava de ser tão curto, a sensação que ele te traz na primeira ouvida é tão boa, que parece que durou cinco minutos. Depois disso termos duas músicas para fechar o tempo mínimo de um álbum e aí vem, a grande música que dá nome ao álbum, a magnus opus do Ary Barroso, a música mais brasileira para os habitantes fora do Brasil: Aquarela do Brasil.

Muita gente acaba torcendo o nariz para Aquarela do Brasil, pelo o "tom patriótico" e por causa daquela animação da Disney, que nos remete a aproximação do Brasil com os Estados Unidos nos anos 40, daí então formos do pior ao intragável eu sei, além de citar coisas tipo "mulato" e etc, parece só mais uma canção 'racistassa' dos anos 30 que devemos jogar fora, porque é reacionária, mas não, não é bem por esse caminho. 

"Gayest musical" kkkkkkk

   

Alguns fatos sobre Aquarela do Brasil: Na sua versão original ela foi cantada ERRADA, porque contém algumas palavras difíceis, o cantor Francisco Alves canta "mulato lizoneiro" ao invés de inzoneiro, também canta "morena sestrosa de olhar indiscreto" ao invés de indiferente. A música foi relativamente criticada na época por ser difícil, contando com palavras bizarras como "merencória", eu não faço ideia do que seja, sinceramente, nem nunca fiz questão de pesquisar porque gosto de acreditar que o Ary Barroso inventou essas palavras.
Tem até quem acredite que Aquarela do Brasil foi a mando do governo Vargas, muito pelo contrário, a música quase foi censurada pela ditadura varguista por causa dos versos "terra de samba e pandeiro", esse bagulho de samba não pegava muito bem na época não, até porque "madame diz que a raça não melhora/que a vida por causa do samba"  (Haroldo Barbosa e Janet Almeida, há muito tempo atrás).
Sim, essa ideia de país 'mulato' e coisa e tal pode entrar numa lógica de democracia racial, que não poderia ser chamado de democracia racial porque esse pensamento de materializou pós governo Vargas. É bom equilibrar, vem complexo de vira-lata e "somos todos a mesma raça" (tá aí um papo que merece uma postagem só pra ela também hein)

Para-terminar, a música Aquarela do Brasil merece uma chance sua, vale uma análise mais aprofundada,  ouvi-la vai ajudar a compreender uma música que poderia ser muito bem nosso hino nacional, a versão da Gal Costa, é com folga, uma das melhores já feita, não atoa, leva o nome do álbum nas costas.

Aquarela do Brasil, 1980, Gal Costa não vai aparecer nas listas, nem é lembrado como obras-primas, apesar disso, é uma verdadeira joia rara bem escondida na vasta obra da cantora baiana, no meio de tanta coisa e clássico que a MPB tem a oferecer. A obra é convidativa, aconchegante e prazerosa, talvez não te salte aos olhos de primeira, mas passando pela segunda vez, é um amor a segunda vista. 

Melhores músicas: Tabuleiro da Baiana, Tu, Aquarela do Brasil, Na Baixa do Sapateiro.
Músicas puláveis: Faceira e Novo Amor, justamente as que não citei.
Recomendo para quem gosta de: MPB, Bossa Nova, Gal Costa (claro).    

Informações chatas:

Track List

A1 É Luxo Só 3:49

A2 Já Era Tempo 3:57

A3 Camisa Amarela 2:50

A4 Na Baixa Do Sapateiro 3:11

A5 Folha Morta 2:13

A6 No Tabuleiro Da Baiana 2:55

B1 Jogada Pelo Mundo 3:46

B2 Inquietação 2:41

B3 Tu 3:45

B4 Faceira 2:58

B5 Novo Amor 2:21

B6 Aquarela Do Brasil 3:30


Violão – Roberto Menescal

Arranjo – Antonio Perna (faixas: A1-4, A6, B1-3, B5-6), Roberto Menescal (faixas: A5, B4)

Baixo – Moacyr Albuquerque

Congas – Luiz Roberto

Bateria – Mamão

Guitarra – Vitor Biglione

Teclado – Perna Fróes

Liner Notes – Guilherme Araujo

Mixagem– Jairo Gualberto, Luigi Hoffer

Percussão – Sérgio Bore

Produção – Guilherme Araujo, Roberto Menescal

Sintetizador – José Roberto Bertrami (faixas: A3, A5, B2, B3, B4)

Vocais (feat) – Caetano Veloso (faixas: A6)

Escrito por – Ary Barroso

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