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Bem-vindes a Marginália 3

Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

O Passo do Lui (1984)


Informações legais:
21 de setembro de 1984
10 músicas, 34 minutos
Odeon;
Rock Nacional, Ska, Pop Rock, New Wave.

Aqui vai uma curiosidade: Nenhuma das bandas consideradas do "rock nacional" realmente são de rock, talvez vai, o chatíssimo do Lobão, mas demais artistas tipo Lulu Santos, Kid Abelha, Blitz oy Legião Urbana na verdade são bandas de subgêneros que não possuíam capilaridade no Brasil para serem chamados pelo nome, chegando aqui como rock, quando são um pouco mais. A exemplo de New Wave (todo rock nacional dos anos 80 é só new wave) e post-punk purinho no caso do Legião Urbana. Era o que imperava no mercado fonográfico dos anos 80. É tipo o primeiro album do Capital Inicial, se fosse lançado na Inglaterra seria um álbum gótico, mas no Brasil se chama genericamente de rock. 


É o caso de Os Paralamas do Sucesso, que nesse álbum traz o puro suco do ska inglês, mas... squem?!

Ska é um ritmo música jamaicano que surgiu naquele caldeirão de ritmos na primeira metade dos anos 60 e a difusão de álbuns estrangeiros na Jamaica, nessa toada que surgiu o rocksteady e o ska, com a imigração de jamaicanos para a Inglaterra e a integração desses atores na classe trabalhadora, sua cultura se difundiu pelos setores mais populares da terra da extinta rainha. Os dois principais nomes do ska jamaicano são o Desmond Dekker e o Laurel Aitken. 

A primeira fase se deu com a fundação da Trojan Records (1968) por lá criou-se toda uma cultura de ska e rocksteady no Reino Unido, não demorando muito para formar seu primeiro público alvo, derivado da cultura mod, os hard mods, ou mobs que viriam a ser os skinheads com suas calças jeans baratas, coturnos, suspensórios, mal encarados e cabeças raspadas. Em atenção ao álbum de ska de 1970 do Symarip Skinhead Moonstomp, onde músicos negros estavam fazendo som para pessoas brancas (em sua maioria).


A características mais identificáveis do ska é uma guitarra batendo no contra tempo, metais (trompetes e trombones), muito parecido com o reggae, mas com um ritmo bem mais rápido e uma abordagem mais "alegre" assim por dizer, sem ligações religiosas* e menções ao rastafari. Regado claro com muita cerveja e mosh pit a vontade. 

*Rastafari não é bem uma religião, foi para fins explicativos. 

Já a segunda fase do ska, essa que influenciou em muito a música brasileira e furou a bolha underground, é conhecida como ska 2-tone, devido a gravadora 2-tone que mantém muito das características do ska, mas com toda uma estética nova, como ternos na estética rudeboy (estética jamaicana que imitava mafiosos hollywoodianosdos anos 40), quadriculados pretos e brancos e dois vocalistas. Existem 4 álbuns mega influentes e essenciais para entender o gênero, lançados entre 1979-1980.


- The Specials (1979)
- Too Much Pressure do The Selecter (1979) que é genuinamente uns dos melhores álbuns de todos os tempos. 
- Ska'n'b do Bad Manners (1980) 
- One Step and Beyond do Madness (1980) 

Bandas como Madness já faziam um som bem diferente do ska 2tone do The Specials e Selecter, trazendo aquilo que ficaria conhecido na indústria como New Wave, que é praticamente todo rock nacional dos anos 80, bandas como The Police e Fine Young Cannibals solidificam o new wave e muito influenciam em nossas terrinhas. Esse intermédio entre ska e new wave fica mais evidente em The Beat. e MUITO em Our House do Madness

Mas bem, a segunda onda do ska não durou muito comercialmente, morrendo junto com o punk inglês (punk clássico, o hardcore e Oi! existem até hoje). Meio que quando ele chegou aos discos, foi seu momento fim. The Specials mesmo nunca mais gravou outro álbum além do debut. 

O movimento foi estragado pela aura podre da Margaret Thatcher, que satanás tenha bem guardada, tinha acabado de ser eleita em decorrência de uma tensão política insana que vigorou por todos anos 70, ou a perda de espaço mesmo para novos generos musicais que estavam pipocando (como o próprio new wave e a onda post-punk e as bandas góticas tipo The Cure). 3 fundadores do The Specials fundaram uma banda de new wave chamada Fun Boy Three, abandonando o ska. 

No finalzinho dos anos 70 houve um movimento deliberado do National Front para invadir grupos de skinheads e punk, por isso hoje termos skinheads nazistas e a péssima fama que os carecas mais gente boas da europa ganharam. A cena virou palco de sobrevivência da classe contra ideários nazistas. Mas isso é papo para outra postagem.

Resumindo o que importa: #1 a segunda geração de ska (2-tone) foi muito influente na música brasileira e compõe o rol de influencia de músicos dos anos 80. #2 Skinhead não fecha com fascistas, só tem uns cuzão que estão desavisados. 

Que volta para falar de Os Paralamas do Sucesso, que eu vou chamar de Paralamas ao decorrer do texto para economizar teclado. 

A influência do Paralamas é evidente: A música britânica, especialmente o power trio (banda com três pessoas apenas, igual ao Paralamas) The Police, em seu álbum de estreia, Cinema Mudo apresenta uma sonoridade identica a banda britanica, isso fica muito claro em faixa título que é bastante similar com músicas tipo Do Do Do Da Da Da e assim como The Police, já no primeiro já aparecia uma coisinha ou outra com influencia jamaicana. The Police é tão próximo da música brasileira que parece uma banda de rock nacional.

Muita gente pode pensar que comparar com outra banda ou outro cantor é uma forma de diminuir o artista, mas muito pelo contrário, todo mundo bebe de alguma fonte e tem suas inspirações, linkar esse tipo de coisa é para fins explicativo e para situar o leitor do tipo de som que estamos falando. 

Se bem que a altura do Cinema Mudo, eles nem eram tão bons assim. O primeiro álbum é meio verde ainda, vendeu quase nada.

Assim, Herbet Vianna e uma turma decide dar repensar e abraçar a sonoridade do ska de uma vez por toda, O Passo do Lui não é só um álbum de ska, como uns dos melhores exemplares que termos a disposição. Chegaremos lá.

E o que O Passo do Lui tem a nos oferecer?
Foto preto e branca, passinho conhecido como skank, que retrata o mencionado amigo brasiliense Lui, que era muito fã de ska, ou ainda é se não morreu. Uma colagem simples, com a foto em transversal, uma fonte blocada e o nome do álbum vazado ao fundo. É muito díficil achar essa imagem em alta qualidade na internet, mas meio que combina com a estética dela, é tipo ver aqueles jogos de futebol dos anos 90 com a imagem toda esticada e saturada em VHS. Faz parte.

Além da imagem de centro com preto e branco se tem um branco ao fundo bem presente, o que deve deixar a capa do vinil bem bonita. No canto superior a direita tem a banda, bem discreta e do outro lado tem outra imagem do Lui. Não acho tão bonita, mas comunica algo bem formal e divertido ao mesmo tempo, pelas cores do roxo e azul e essa fonte sem serifa bem blocada e compacta.

Fontes sem serifa e grossas geralmente tem uma conotação empresarial, algo formal, bem business. Mas também remetem a tipografia de revistas, algo de anúncio, algumas bandas usam desse tipo de fonte como sua logo. Ou em albuns específicos.
 
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/2/2e/PiLFirstIssue.jpg
Public Image - First Issue (1978)

Não é a escolha de design que mais salta aos olhos, mas é um contraste interessante. Me agradou a tipografia utilizada. 

Funciona melhor no vinil do que nas mídias digitais. Lembrando que o álbum é pensado pro vinil. 

bonito hein
Bonito e raro, porque a maioria dos vinils não saíram com esse encarte do meio devido a um erro de impressão. 
Fica de informação que essa capa foi projetada pelo cartunista Ricardo Leite, que também trabalhou como designer.

Talvez alguém que não fosse familiar com o ska, estaria pensando que o Lui do álbum estava imitando o Chaves. 

https://blog.kellychristi.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Zas-Zas-Chaves.gif
Parece demais.
 
Agora chegamos na parte que importa, vamos falar da música? Como esse álbum é curtinho e eu gostei de todas as músicas, vou falar uma por uma

Assim que você aperta o play é surpreendido por uma enlouquecedora de bateria no começo de Óculos que é seguido por um instrumento bastante tropical, algo que seria mais ou menos um xilofone ou um tambor de aço, bem utilizado em países como Trindad e Tobago, a bateria do João Barone aqui tá uma delícia, bem seca, dando seguimento a música e sem viradas desnecessárias, eu gosto bastante do snare (ou CAIXA em português) aqui.O baixo do Bi Ribeiro aparecendo menos, seguindo só de acompanhamento e a característica guitarra nesse efeito meio vago que é a marca registrada do Paralamas (também do Police, mas é outra história), Herbet Vianna também na voz e composição, formando o power trio mais conhecido do Brasil.

A música em si varia entre um pop rock nos refrões e um quase ska no versos, cantando sobre um menino que não tem tanta segurança com seu aparencia quando usa óculos. É um bom tema de abertura.

Meu Erro
- dispensa comentários falar como Meu Erro é um musicão da porra. Eu sei cantar essa música de cor e salteado. É em Meu Erro que Paralamas faz o seu nome a apresenta suas credenciais no mundo da música. Pelo o baixo estralando, bem mais presentes, excelentes condução da bateria e o vocal meloso e apaixonado do Hebert Vianna, que não tem um vozeirão de te pular da cadeira, mas aquela voz que toca no fundo do coração, até quando a voz dele "falha" no refrão reforça mais sua interpretação do que algo negativo. Pense numa música sofrida... Essa guitarra de Wah-wah e um sintetizador que dá o tempero final.

Tirem essa ideia da cabeça de vocês que só uma voz potente e tecnicamente impressionante que é capaz de emocionar, quem nunca sentiu nada ouvindo Meu Erro tá ouvindo bem errado.

Meu erro trata de um relacionamento que não deu muito certo numa maneira bem jovial, que parece ser um casal no primeiro amor, ao mesmo tempo que é inexperiente, é bem maduro que acompanha uma real evolução do Hebert enquanto compositor, lembrando que Os Paralamas do Sucesso começou como uma banda satírica e tentou tocar sério por ver potencial em seu trabalho.

Uma música de temática um pouco triste, porém alto astral, bem chiclete de ficar na sua mente a semana toda, um verdadeiro hit/clássico que não pode faltar em qualquer lista decente sobre música nacional. 

Fui Eu - todas as músicas do Passo do Lui tem um climão de praia, cerveja barata, areia nos pés e aquele calorzão do Rio de Janeiro. Fui Eu essa é a que tem mais. Tem bastante groove e dá vontade de dar mandando o passinho do chaves (skank), bastante animada e o refrão me lembra as músicas do Lulu Santos, tanto pelo arpejo tanto pela letra que diz "Vai ver que a confusão fui eu que fiz". Um lick bem interessante de baixo na ponte, bastante notas fantasmas de acompanhamento que dá a característica batida pecurssiva. uma JÓIA ESCONDIDA no meio do álbum

Romance Ideal - baladinha romântica mega 80tentista, abandonando por hora o clima de festa do ska, mas ainda bem alto astral. Belíssima aplicação dos efeitos de guitarra do Vianna e o trabalho pornográfico de bateria do Barone que porra, vou parar de mencionar para evitar a repitação.

Aqui fica mais evidente quanto o Hebert Vianna dá uma falhada na voz as notas mais agudas, porém disfarça isso deixando uma raspadinha que fica muito estilo. Na partes de "Se eu queria enlouquecer esse é o romance ideal" dá uma tremidinha que agrega, agrega bastante. A letra fala mais uma vez sobre culpa ou gaslight, o caratér dúbio de interpretação que algumas músicas de romance trazem é uma valoração enorme para os complicados tipos de relacionamento que termos por aí.

Falando de erro de novo, eu acho que o Hebert aprontou alguma coisa e se insipirou pra fazer música.

Ska - na moral, se o Madness tivesse colocado essa música em One Step and Beyond ninguém iria perceber, musicão da porra que começa com metais (me pareceu um sax ou trompete), ritmo frenético que é puro suco do ska 2tone inglês, uma pedrada sem tamanho. Talvez a minha favorita. A Globo estragou um pouco porque é tema da novela Cara e Coragem então tocava muito na TV recentemente.

Mensagem de Amor
- outro new wave muito qualquer coisa sobre qualquer amor na vida. Sabe quando o horoscopo acerta direitinho como vai ser seu dia? Talvez seja porque ele não especificou que você vai dar uma topada no cantinho da cama com o pé. Apesar da letra ser bem pouca coisa, a melodia é bem interessante e o som tá decente. Bem mais puxada para o rock algo mais tristonho que desacelera o álbum depois da faixa ska.

Me Liga - Essa é aquela música que o Lobão jura que o Hebert plagiou dele? HAHAHAHHA ele sempre foi muito mala, tenha fé. Vamos lá explicar a treta. Lobão e Paralamas tem uma certa rivalidade comercial, que é bastante comum no mundo da música, mas o Lobão tem uma treta unilateral que ele jura de pé junto que o Hebert Vianna está roubando as ideias dele, entre as conspirações malucas é de Me Chama que também de 84 com essa faixa, Me Chama foi lançada alguns meses antes (único sucesso da carreira do Lobão). Lobão também já admitiu mudar o jeito de cantar para se distanciar do Hebert Vianna e entre outras acusações daquele cabeça de vento cabeludo.

Bem, assim como Me Chama, Me Liga é uma balada romântica e só. Um ponto de composição do Hebert é o uso o tempo inteiro de contratações/justaposição que fica mais evidentes aqui, como em:
"O nosso jogo não tem regras nem juiz/Você não sabe quantos planos eu já fiz/Tudo que eu tinha pra perder eu já perdi/O seu exército invadindo o meu país" que me parece mais uma paixão avassaladora e coisas do tipo. Essas montagem de cenários contraditórios é comum em demais letras, mas aqui bem mais bonito e funciona melhor.

Assaltaram a Gramática
- única música não composta pelo Hebert Vianna, de composição do Wally Salomão e com participação de Lulu Santos, sou muito fã do Lulu, mas essa música parece coisa que professor de português passa na sala do sexto ano e ninguém entende nada, não só pela letra com menção metalinguistica a língua portuguesa, mas o som. Ficou meio executiva. Eh. Excelente participação do Lulu Santos que acerta tudo que faz nessa vida, lindo maravilhoso.

Não que seja uma música ruim, é mais anti-climax. 

Menino e Menina - não é uma música da Damares, apenas uma versão reduzida de Eduardo e Mônica de um casal que não tem nada a ver. Tirando que os mesmos estão na faixa de idade parecida. Do som, elementos caribenhos delicosos aqui, de novo aquele instrumento misterioso de Óculos, uma guitarra bem mascadinha e umas viradas de bateria que me lembram o Axé baiano, bandas tipo Chiclete com Banana (que estavam no início da carreira).

O Passo do Lui - Na última música do álbum mais uma de ska puro. Puro quanto aquela cerveja preta da Guiness e pub ingleses. É uma música instrumental para fechar o álbum que te deixa com gostinho de quero mais. De novos metais aparecendo, gritos no meio do estudio e demais coisas bem características.

No fringir do passinho...


Um álbum de 10 músicas que gerou 7 singles e 250 mil cópias não tem outro nome a não ser clássico geracional, um álbum que deve ter apresentado o ska para muita gente. Canções cativantes, energia jovial e um bom senso de maturidade para tratar de relacionamentos espinhosos. Será que o Hebert Vianna errou? Em fazer o Passo do Lui com Bi Ribeiro e o João Barone com certeza que não errou, e seja lá que você tenha feito, eu te perdoo. 

Álbum marcante por seu alto astral, energia, músicas de letras simples e curtinhas, ritmos caribenhos, uma bateria espectacular e uma guitarra que muito marcou a geração do rock racional dos anos 80. 

Informações chatas:
Composição, Guitarra e voz - Hebert Vianna
Baixo - Bi Ribeiro
Bateria - João Barone
Saxophone – Leo Gandelman

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