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Bem-vindes a Marginália 3

Quadrinhos, música brasileira e outras coisas a mais. É somente requentar e usar! Made in Brasil

O dia que uma simples voz abalou a ditadura brasileira.

Maria Alcina, 1972

O ano era 1972, o Maracanazinho sediava o sexto Festival Internacional da Canção, também conhecido pela Sigla FIC, as coisas já não começaram bem no festival, a Nara Leão foi proibida de ser júri da competição (pra quem não sabe da relação odiosa entre Nara e os militares), rapidamente todo júri foi trocado para jurados gringos. 

O ano era 1972, o Maracanazinho sediava o sexto Festival Internacional da Canção, tudo seguia mais ou menos em plena normalidade até uma mineira franzina de Cataguases, operária e ainda semianalfebta com um sonho de ser cantora sobe ao palco, estremece o Maracanãzinho com "Fio Maravilha" do Jorge Ben Jor e é campeã do festival! Só tinha um problema, a cantora tinha "voz de homem"! Uma moça tão magrinha, com um vozeirão grave o suficiente para estremecer não só o ginásio, o governo também. Os militares ficaram em cima, foi processada por "ato subversivo", sim, apenas por cantar, sua subversão era ter uma voz grossa, foi o suficiente para que ficasse banida dos rádios, televisões e shows por quase um mês! Apesar dos esforços do seu empresário. Por pouco não foi presa. 

Em um comentário técnico, acho injusto considerar a sua voz como de homem, são poucos homens que tem uma voz dessas, se eu tivesse um vozeirão desses, não estaria escrevendo um blog kk 

Seu nome é Maria Alcina, uma tímida mineira que foi tentar a sorte no rio, começou se apresentando na boate Number One e chamou a atenção de uns dos organizadores do FIC de 72. Debutou como artista naquela perfomance esotérica, soltou seus demônios para o público que adorou a perfomance, quem não gostou... vocês-sabem-quem, sua voz é única, seu timbre é belíssimo, o auge de sua carreira aconteceu um anos depois, em 1973 lança seu primeiro álbum, um homônimo de 73:

Lançado pela continental

Apesar do sucesso imediato, sua carreira nunca contou com assinatura de grandes gravadoras e nem outros hits arrasadores, é de esperar, uma cantora negra e com 'voz de homem', isso incomodava bastante. Apesar disso conseguiu se manter viva no imaginário brasileiro quando participou como jurada em programas de calouros (como o do Silvio Santos). 

Passeando pela borda do mercado fonográfico, Maria Alcina segue alegrando o povo com sua magia e sua raça!

Confira sua histórica apresentação no FIC:


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Blacksad: Cigarros, fumaça e sobretudos. Mais um noir? Díaz Canales e Juanjo Guarnido

O título não mentiu, esse black está muito sad. 

Blacksad é uma famosa bande dessniée/BD, ou em português de portugual uma banda desenhada, que é como os quadrinhos francos-belgas são chamados, tipo Tintin, Asterix, Lucky Luck e Smurfs (sim, caso você não saiba Os Smurfs são quadrinhos e belgas, sendo chamados de Les Schtroumpfs no original).



 Nunca li muitas BD, é um mercado meio desconhecido no meio de quadrinhos brasileiros, mas batendo o olho você consegue reconhecer uma, elas sempre são muito bonitas, Blacksad não é diferente. Voltando ao quadrinho do texto, foi lançado pela Dargaud inicialmente lá nos anos 2000 e no Brasil tem versões da SESI-SP, Panini e até Dark Horse.

Resenha do primeiro volume de Blacksad, Blacksad vol 1: Em Algum Lugar Entre as Sombras 
** SEM SPOILERS **


Do que se trata esse lindo gatinho? A história é ambientada nos Estados Unidos na metade do século vinte, o nosso protagonista, Jon Blacksad, é um detetive particular, conecte A + B e voilà, termos uma bela história "noir" em nossa frente

Interessante mencionar noir, que também é um termo em francês, preciso te atualizar o que é isso primeiro.

Filmes noir não são bem um gênero, mas digamos um estilo dentro dos filmes policiais, uma quase filosofia da forma de fazer cinema. E aí cabe determinar uma coisa previamente, filmes noir só existiram na década de quareta e cinquenta, esses são os ditos noir, que foram nomeados assim pela crítica especializada francesa. Noir significa negro, os filmes dessa época contava com jogos de sombra inovadores, iluminações diferente. O que contribuia na época é o fato deles serem em preto e branco, então o jogo de cena ficava muito mais harmonioso. Eis o exemplo do considerado primeiro filme noir já feito:

Stranger on the Third Floor (1940)

Por ser um movimento cinematográfico completo, os elementos noir vão além do jogo de cameras, também são elementos: histórias policiais (geralmente um crime muito obscuro e sem solução aparente), corrupção das elites, uma visão suja da elite, detetives particulares, climas urbanos, cenas noturnas, as famosas female fatales que são mulheres perigosas e pouco confiáveis, não sendo só uma princesinha inocente para ser salva pelo herói, que aliás não existem no cinema noir, o personagem principal (um detetive particular em 99% dos casos) é alguém de moral cinza, as vezes até imoral, de caratér duvidoso, mas sempre espertinho, de tiradas rápidas e fugindo de situações complicadas. As vezes se movem por vingança (como em Blacksad e Sin City) ou por uma pulsão de curiosidade mesmo. Esses detetives não são bons moços, e geralmente é o Humphrey Bogart que está interpretando ele, além de um chapéu, sobretudo, cigarro e uma .38 ou 32 acompanhando eles. 

Maltese Falcon (1941)

Os filmes participantes dessa coisa toda são como os que já citei. Tem um filme de boxing que é muito bom, The Set Up (1949), e lá vai outros tipo Out of the past (1947), Repeat Perfomance (1947), Undercurrent (1948), The Big Sleep (1946) e um francês lá na década de 60 que é um filmaço também, Le Samourai de 67
Citando Le Samourai, os filmes lançados fora da época noir e com elementos mais diferentes são chamados de neonoir, sendo os mais famosos dele Chinatown (1974) do Polanski e Blade Runner (1982) do Ridley Scott. 

Pessoalmente, eu adoro filmes dessa época. Falcão Maltes é uns dos filmes favoritos! Por sinal, eu também adoro Sin City, mas falar bem do Frank Miller é meio complicado... Mas Sin City é muito bom, não tem jeito negadinha. Mais noir que isso, impossível.
calma moreno, você não é assim

Então tá, fazendo uma grosseria, Blacksad é Sin City francês. Pronto, eram isso que queriam ouvir? Pois está estabelecido.

A arte.

Belíssimo, o estilo do Guarnido é de animais antropomorfizados, sem parecer fantasias furries como em Zootopia, ou qualquer produção disney-pixar na real, se bem que o Blacksad é muito gostoso, digo, ele é gatinho, se me perdoarem o trocadilho.


Diferente das obras noir, o quadrinhos é bastante claro, sem sombras marcantes e colorido (como a maioria das BD), optando por uma coloração mais "pastel", mas sem ficar com cor de cadavér, é menos saturada do que Asterix por exemplo, mas ainda continua num jogo de cores muito forte. Com carinha de outono e um bom chocolate quente nas mãos (pode ser nescau).
Ou seja, apesar de retratar a desgraça e miséria humana, não precisa ser tudo escuro, dá pra trabalhar isso muito bem com cores.

Apesar da pegada mais 'realista'* (é uma HQ 'adulta') ela não foge da natural cara de desenho animado que animais antropomorfizados tem, balanceando entre algo sério e algo mais leve, contando com poucas cenas cômicas bem inseridas. A cena desse leão marinho incorporando o John J Jameson, bastante Looney Tunes das ideia.

A riqueza dos detalhes no cenário pode deixar a sua experiência de leitura (caso seja por scan no digital) um pouco pesada, a primeiro momento, mas a suavidade dos traços e de certa forma o abraço a cartoonização que o Guarnido faz dá uma leveza que garante a boa experiência do leitor. A versão físcia deve ser um tesão. Isso é tudo que tenho a dizer. 
Apesar da opção de cores mais viva, as cenas noturnas não deixam a desejar em nenhum aspecto, há pouco da história que se passe de noite também.

Os filmes do Batman sonham em fazer isso aqui

A história é relativamente corrida, são quase 60 páginas que você lê parecendo 6. O enredo é simples, uma ex ficante/amante/peguete de Blacksad (relacionamentos estão variados hoje em dia) leva uma carimbada na cabeça, incube a ele descobrir com foi o assassino, ponto final. Um crime simples, que é conduzido com tranquilidade, não havendo nenhum grande plot twist ou revelação esotérica das coisas. Mas sinceramente, o que importa em Blacksad é o durante, a história em si não tem nada de mais, a experiência de ler e acompanhar os pensamentos do nosso detetive bem como a ambientação que é o barato, aliás, isso vale para inúmeras obras noir.
É só mais um crime entre tantos outros, não tem nada de interessante aqui, ou será que não? 

Os personagens são dotados de carisma, Blacksad representa alguém cansado de toda situação, bastante emotivo para uma personagem masculino que está mais preocupado em ser fodão e melhor que todo mundo, sensível em alguns momentos. Assim como outras histórias que envolvem animais quadrúpedes com polegar opositor, cada "grupo racial" pertence a determinada profissão, ao pouco que aparece, os caníedos são policiais, tem um bar só de réptis e demais pequenos detalhes que ainda irão aparecer durante os outros volumes.

Complicado 'desqualificar' uma história por não ser uma epópeia, na minha honesta expectativa contava com um alguma pegadinha, alguma coisinha que quebre a cabeça do leitor (algo muito comum nesses contos policiais), porém a história não é tão focada na investigação em si (por incrível que pareça), o Díaz Canales aposta em uma enredo que se arrisca pouco, optando pela boa condução ao invés de inventar demais. É bem conduzida e faz chegue até a última página, bastante competente. Funciona, por ser simples.

A obra vale a pedida para conhecer os quadrinhos franco belgas bem como a estilística noir como um todo. Espero pode comprar a versão físcia qualquer dia desses. 
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